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CAUSOS

Quem era aquele maltrapilho que demonstrou ser um grande músico?

No início do século passado, a Banda Italiana, atual Gomes-Verdi costumava realizar seus ensaios na residência do dr. Henrique Viscardi, aquele sobrado de pedras ainda existente no primeiro quarteirão da Rua Monsenhor Couto, onde há algum tempo funcionou a Biblioteca Municipal. Esses ensaios atraiam um número muito grande de pessoas, numa época de poucas opções de lazer. Certa noite, os músicos tinham acabado de apresentar a “Sinfonia do Guarani”, peça muito difícil que estava no programa de um futuro concerto, quando um homem maltrapilho que se encontrava na plateia se dirigiu o primeiro clarinetista e solista da banda, sr. Fiori, um italiano, proprietário da maior alfaiataria da cidade e que era considerado um dos maiores músicos da região, e lhe disse:

- O senhor é um grande clarinetista, é virtuoso, tem uma facilidade extraordinária na execução. No entanto, se o senhor educasse o seu sopro, que é um pouco áspero, seria um clarinetista perfeito.

O italiano quase teve uma síncope, principalmente porque todos os presentes ouviram a observação, e foi em direção ao indivíduo a quem chamou de “pobre diabo”, fazendo menção de atingir-lhe a cabeça com o seu instrumento. O maestro também interviu e chamou a atenção do mendigo, pedindo-lhe que se colocasse em seu devido lugar, mas obteve dele a seguinte resposta:

- Perdoe-me, senhor maestro, mas eu também sou músico. Toco clarinete, sou solista, concertista e maestro, mas a ironia da sorte transformou-me neste farrapo que o senhor está vendo.

Alguns músicos sorriram diante do absurdo daquela afirmação, mas o maestro decidiu testar as qualidades do estranho. Mandou buscar um clarinete, bastante usado, com as sapatilhas ressecadas e depois de uma limpeza rápida, entregou-o ao mendigo, pedindo-lhe que participasse da execução da sinfonia. Ele colocou-se ao lado do sr. Fiori, que ainda o olhava de soslaio, e ao começar a executar a peça musical, o maestro percebeu que o visitante tocava com tanta facilidade, sem olhar para a partitura e perguntou-lhe se tocava “de ouvido”.

- Música como a “Sinfonia do Guarani”, que já toquei centenas de vezes, toco de cor, não preciso olhar para partitura nenhuma.

Todos ficaram perplexos, notaram que o mendigo tocava com uma perfeição fora do comum e até o sr. Fiori parou para poder apreciar melhor sua apresentação. Terminado o ensaio, pediram ao músico que voltasse no dia seguinte para tratar do seu ingresso na banda, ao mesmo tempo em que iriam providenciar pensão e ajuda, através da Brasital, que sustentava a corporação.

No dia seguinte ele não apareceu e saíram a sua procura: ele havia sumido como por encanto. Ninguém ficou sabendo sequer o nome daquele incógnito e maltrapilho senhor, um grande e talentoso músico...


(Adaptado do livro “Cidade Divertida e Pitoresca”, de Valter Lenzi)

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