CAUSOS

Morrendo de medo na porta do Cemitério

Na época em que Henrique Milhassi (início da década de 1960) era o administrador do Cemitério da Saudade, esse próprio municipal era quase todo cercado pelo mato, não existindo nem mesmo a praça fronteiriça, que só foi construída por volta de 1968. Certa feita, Milhassi recebeu um aviso do prefeito, informando-o que um jovem havia falecido, por afogamento, nas águas do Rio Tietê e por isso deveria aguardar a chegada do corpo, até que fosse encontrado e chegasse ao Cemitério para ser sepultado, a hora que fosse. Milhassi, cumpridor dos seus deveres, ficou esperando a vinda do falecido.

As horas foram passando e até quase meia-noite nenhuma notícia recebera, Cansado de esperar, dirigiu-se ao portão principal do Cemitério, aguardando pacientemente o corpo do afogado. Às tantas, encostado ao muro, em plena escuridão, acendeu um cigarro para acalmar os nervos e passar o tempo.

Fumava calmamente quando vislumbrou, vindo pela rua lateral do Cemitério, um vulto de branco, jogando o corpo de um lado para outro, parecendo bêbado. Tirou uma baforada longa, gostosa, e na noite sombria a brasa viva do cigarro resplandeceu na escuridão. O vulto branco do homem estacou de súbito e Milhassi sentiu que era medo, muito medo. Em sua bondade, procurou confortar o pobre mortal que, assustado, não saia do lugar e, ao contrário, ensaiava um recuo. Milhassi então gritou:

- Ó irmão, não tenha medo, é o Milhassi!

Foi a gota d’água. O vulto de branco se empertigou, como tocado por uma descarga elétrica. E saiu numa desembalada carreira fora da estrada (atual Rua John Kennedy), no meio de um matagal existente no local. E o fez com tanta fúria e medo, que rompeu o matagal no peito, abrindo uma picada e sumindo na escuridão. Logo depois ouviu-se o ruído de um tombo e o baque surdo nas águas de uma lagoa existente alguns metros adiante.

- Não tenha medo, irmão – repetia Milhassi, mas já era tarde.

Ele nunca soube quem era o homem de branco que quase morreu de susto...