POLÍTICA SALTENSE
Renúncia forçada em lugar de perda de
mandado de importante vereador
Em 1971 uma verdadeira “bomba” explodiu na política saltense: o dr. Mário Dotta, um dos políticos de maior destaque na cidade, capacitado, respeitado e admirado até mesmo por seus adversários, renunciava ao mandato de vereador. A notícia surpreendeu a todos, pois ele era um dos membros do Legislativo mais ativos, tendo ocupado, inclusive, a presidência da Câmara, com muito brilho, de 1964 a 1969.
A repercussão da decisão não se restringiu à época, pois durante vários anos políticos e pessoas da população lamentaram profundamente o afastamento do dr. Mário das atividades políticas. Em seu livro “Salto, História, Vida e Tradição”, por exemplo, Ettore Liberalesso registrou o fato num capítulo denominado “Nenhuma renúncia foi tão lamentada”, na qual ele diz que o então presidente do Legislativo local, Mário Vicente, levou ao conhecimento de seus colegas que o dr. Mário Dotta havia apresentado seu pedido de renúncia e que isso ocorrera um mês antes, mas que não foi revelada por que ele, Mário Vicente, porque “envidava todos os esforços para dissuadir o veterano legislador de seu intento, não o conseguindo”.
Ettore registra ainda em seu livro que “a carta-renúncia de Mário Dotta foi então lida na sessão da Câmara para um grupo emocionado de vereadores e consternados populares, que assistiam à sessão naquela noite”. O escritor cita trechos dessa carta-renúncia: “Nenhum desencanto dita meu gesto senão a total impossibilidade de ao menos servir como deveria” – “Não levo ressentimentos, mas lembranças gratas. Tanto me foi dado receber de bom neste convívio, que jamais me será dado retribuir a amizade dos correligionários e até mesmo dos adversos”.
Vários vereadores se manifestaram, segundo Ettore, todos eles lamentando a renúncia: Joseano Costa Pinto disse que a Câmara estava de luto; Antônio O. Ferrari declarou que se estava perdendo um grande homem público; Rubens M. Ceconello afirmou que respeitava a decisão do colega com grande sentimento; Fernando de Noronha qualificou Mário Dotta como “corajoso idealista” e Mário Vicente declarava que “a saída do vereador significava uma grande perda para o futuro”.
Embora tivesse conhecimento que, na verdade, a renúncia fora forçada, eu também publiquei um editorial no jornal Taperá - que o dr. Mário me afirmou um dia que fora o maior reconhecimento que recebera em toda sua vida como político. Ele revelou que guardava o recorte até muitos anos depois do acontecimento, o qual um dia ele me entregou, provando a importância que dava àquele comentário.
Nele eu dizia que ele fora um dos mais ativos integrantes de nossa Câmara, em todos os tempos; que estava desiludido, pois teve a oportunidade de afirmar, quando de uma de suas últimas participações em sessões, que depois de quase 20 anos como vereador, percebia que as coisas haviam se modificado, pois não se tinha mais o respeito mútuo, que existia mesmo quando havia divergências; que nunca tinha visto tanta indelicadeza e desrespeito por parte dos vereadores. “Naquele dia – eu dizia no editorial – sentimos no vereador Mário Dotta um certo desânimo, uma certa desilusão pelo cargo. Ele parecia não sentir mais aquele prazer de outrora, aquela vontade de se empenhar como antigamente, quando travava verdadeiras batalhas com seus adversários, batalhas que o empolgavam e que empolgavam a todos que as assistiam. Como um velho guerreiro, não encontrando mais os mesmos adversários, ele parecia cansado e desiludido. O dr. Mário Dotta merece, nesta hora, as homenagens de todos os saltenses, inclusive de seus adversários políticos, pelo muito que fez em prol de nossa terra, pela sua luta honesta, que tantos bons frutos apresentou”.
A verdade – Quarenta e cinco anos depois da renúncia do dr. Mário Dotta, vamos revelar a verdade, para que fique registrado na história o fato real e não a saída encontrada naquele longínquo 1971: ele havia perdido o mandato de vereador e, por isso, o presidente Mário Vicente deveria ter declarado extinto seu mandato. O Regimento Interno da época estabelecia que o vereador perderia o mandato caso faltasse a 3 sessões consecutivas ou a 5 alternadas e ele não vinha comparecendo, ultrapassando os limites estabelecidos. Deve tê-lo feito de propósito, pelo fato de estar desiludido com o que acontecia na Câmara de Salto. Como as sessões da Câmara de Indaiatuba, onde o dr. Mário atuava como assessor jurídico, se realizavam também às segundas-feiras, ele optou para se dirigir à vizinha cidade, deixando de comparecer às sessões que aconteciam na Câmara de Salto.
Quem alertou o presidente da época, Mário Vicente, sobre o número de faltas do dr. Mário, foi o diretor de Secretaria da Câmara, José Manoel Florindo (Saca), o qual me confidenciou antes de fazê-lo, perguntando-me como deveria agir. Eu fazia a cobertura dos trabalhos do Legislativo para o jornal Taperá, colaborava com o Saca na redação da ata, de proposituras e de ofícios, e sugeri que ele levasse o fato ao conhecimento da presidência, sob sigilo, não o revelando para os demais edis. Mário Vicente, então, chamou os vereadores de sua facção e expôs o problema numa reunião fechada, tendo um deles sugerido que se encontrasse uma “saída honrosa”, pois iria repercutir muito mal para o dr. Mário o fato de seu mandato ter sido extinto por faltas. Como o número de faltas havia acontecido cerca de um mês antes, o presidente Mário Vicente justificou que ele levara esse tempo para informar aos demais colegas de vereança que havia recebido a carta-renúncia.
A renúncia forçada do dr. Mário Dotta não desmerece sua atuação política, considerada uma das mais profícuas das que tivemos em Salto, em todos os tempos. E o motivo foi também justo, pois a política já não lhe proporcionava o mesmo prazer dos primeiros tempos, quando participou de verdadeiras e memoráveis contendas. Representando o jornal Taperá acompanhei seus trabalhos na Câmara durante vários anos e constatei sua seriedade no trato com as coisas públicas, sua coragem para enfrentar os problemas que surgiam, sua revolta com as injustiças, enfim sua colaboração para com a cidade que ele amou e serviu. Depois de deixar a Câmara, ele se dedicou ainda mais à profissão de advogado, constituindo-se num dos mais renomados em toda a região.
Após sua saída do Legislativo, tive o prazer de conviver com ele em muitas oportunidades, dentre elas no Clube de Campo Saltense aos finais de semana, com muitos dos nossos amigos, ocasiões em que ele se divertia, contando casos em que participou ou de que teve conhecimento.
Demonstrei também meu apreço por ele, ao escolhê-lo como patrono de minha cadeira número 6 na Academia Saltense de Letras. Portanto, essa revelação que agora faço tem apenas o objetivo de restabelecer a verdade, nunca a de manchar a vitoriosa trajetória do dr. Mário Dotta na política saltense.