CAUSOS
- Valter Lenzi
- 17 de jul. de 2017
- 2 min de leitura
Quando os edifícios começaram a ser construídos,
temia-se pelo fim da privacidade
Durante muitos anos os salões da Brasital, a casa de pedra do dr. Henrique Viscardi, o prédio da Sociedade Italiana e alguns sobrados, como os do início da Rua 9 de Julho e o “sobradinho do Tomirotti” na Rua 23 de Maio, eram os prédios mais imponentes de Salto. Quando o saltense passava por esses locais, sentia um orgulho parecido com o do paulistano, que em décadas passadas admirava o Prédio Martinelli e o do Banespa como os mais altos da capital do Estado.
Isso durou alguns anos, mas a partir das décadas de 1960 e 1970 o saltense passou a lamentar que não tínhamos um edifício como o do “Zé Miséria”, na Praça da Matriz de Itu. Além dos prédios citados, as únicas coisas altas eram as torres que sustentavam as antenas de televisão em praticamente todos os pontos da cidade. Vista de longe, a cidade parecia um campo petrolífero, até que foi implantado o sistema UHF e as torres foram aos poucos desmontadas.
Reclamava-se a construção de pelo menos um edifício, mas no início da década de 1980 finalmente se anunciou a construção de nada menos que 4: o sonhado pelo comendador Armando Barcella, que pretendia ser o primeiro a construir um prédio com vários andares; o da Construtora Passafini & Panossian, que resolveu entrar na briga pelo pioneirismo, com o Edifício da Barra, na margem direita do Rio Tietê; e os outros dois empreendedores, a Construtora Tonin e a RR Empreendimentos Imobiliários, que implantaram dois arranha-céus, como se dizia na época. Não chegava a arranhar, mas contribuíam para a autoestima da população, orgulhosa dos imponentes prédios.
Essa é a história vista pelo lado empresarial, mas na mesma época em que os edifícios surgiam, surgia também na cidade um certo temor, representado pela inevitável perda de privacidade de muitos moradores, principalmente os que residiam nas proximidades dos prédios. O jornal Taperá teve a oportunidade de abordar esse aspecto do progresso tão aguardado, escrevendo numa coluna humorística: “seremos observados constantemente, lá de cima, por olhos ávidos por novidades. Roubar manga ou goiaba da árvore do vizinho já não será uma atitude inocente e impune: sair de cuecas no quintal poderá ser considerado um atentado ao pudor, se lá de cima alguém se julgar constrangido; fazer xixi atrás da cerca, então, quando ‘tem gente’ no banheiro, será caso de polícia”.
O artigo terminava propondo: “edifícios sim, mas sem janelas e varandas”.