CAUSOS
Dois filmes: um nada erótico e outro que não terminou
Dentre as muitas coisas que fez na vida, João Carlos Ratti, que há mais de 30 anos milita no Taperá, foi também projecionista no Cine Verdi, na década de 1960. Projecionista é aquele que se encarrega de exibir os filmes, colocando os rolos na máquina que projeta os quadrinhos de celuloide na tela. Ele nos conta dois fatos dos quais participou, o primeiro sobre um filme que não teve fim e outro anunciado como erótico, ambos causando protestos dos espectadores. Sobre o filme que não terminou, Ratti relata que se tratavae de um faroeste, gênero que atraía um grande número de apreciadores, quase sempre lotando o cinema. Naquela noite, ele e seu companheiro repetiram o que faziam sempre: separaram as seis latas pela ordem de exibição, colocaram cada uma das partes na máquina e assim que terminou a última delas acenderam as luzes do salão. Notaram, porém, que ninguém deixava a sala de espetáculos. Foram até o gradil existente na parte superior e dali perguntaram: - O que estão esperando? Por que não vão embora? - Estamos esperando o final do filme – respondeu um deles. - Mas o filme já acabou – explicou Ratti. - Acabou nada. O mocinho estava brigando com o bandido quando o filme foi interrompido e vocês acenderam as luzes. Os dois projecionistas voltaram à cabine, examinaram as partes e constataram que não havia dúvidas: exibiram todo o conteúdo das seis latas. Explicaram isso aos espectadores, que saíram bravos do cinema, alguns até pretendendo receber o dinheiro de volta. Na noite seguinte, ao se dirigir à cabine para exibir o filme novamente, os projecionistas descobriram o engano: além das seis latas, havia uma menor, que imaginavam fosse de um cinejornal ou de um trailer, onde estava o final do filme. Naquela noite não teve problema: o filme teve começo, meio e fim... Com relação ao “filme erótico”, naquela época os que mostravam “alguma coisa” atraíam um grande número de pessoas, principalmente do sexo masculino. É que, ao contrário do que acontece hoje, a censura era muito rigorosa e as próprias produções cinematográficas não exageravam ao mostrar cenas mais ousadas. Assim, quando era anunciado um filme que prometia mostrar “muita coisa”, o afluxo de homens no cinema era muito grande.Foi o que aconteceu num certo dia em que os cartazes do Cine Verdi anunciavam um filme erótico, “terminantemente proibido para menores de 21 anos”, o que era um fato raro, pois a maioria impunha o limite mínimo de 18 anos. Esses cartazes mostravam uma mulher nua, num fundo preto, e tinha como título: “Como se nasce”. A exibição foi marcada para um sábado às 22 horas, após a sessão normal, mas meia hora antes já se formava uma grande fila em frente à bilheteria, a qual contornava o quarteirão. Em voz baixa as pessoas comentavam umas com as outras: “Dizem que vai ter mulheres nuas, sexo explícito e muito mais”. O João Ratti ainda era menor e teve que ficar escondido na cabine de projeção para que ninguém percebesse sua presença. Ele conta que o cinema ficou lotado: todas as poltronas ocupadas, gente em pé nas laterais e sentadas no corredor central. Nem por ocasião da exibição do filme que até aquele dia tinha registrado a maior bilheteria (“Dio come ti amo”) o salão ficara tão cheio.Depois dos costumeiros cinejornais e trailers, começa o filme sob expectativa geral. Em preto e branco, esquisito, com gráficos mostrando a trajetória dos espermatozoides, a fecundação com o óvulo, o crescimento do feto, enfim mostrava – como prometia o título – como se nasce. Na verdade era um documentário, um filme educativo. Depois de 30 ou 40 minutos, a plateia começou a reclamar: “Quero ver mulher pelada!”, gritava um; “Quero ver cenas de sexo”, pedia outro, enfim a bagunça foi geral. Aos poucos o cinema foi esvaziado e na hora em que o filme terminou havia apenas 4 pessoas na plateia, não se sabendo se ficaram porque lhes interessava saber “como se nasce” ou porque tinham ainda uma esperança que no final do filme o motivo pelo qual foram ao cinema iria se justificar.