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REPETECO

Faleceu o ituano que rendeu muitas crônicas engraçadas


Um dia (década de 1970) o Onofre Causo, que tinha uma gráfica na Rua Rui Barbosa, onde hoje existe uma igreja evangélica, me perguntou se eu não desejava contratar um tipógrafo, cujos serviços ele não mais necessitava. Fez recomendações elogiosas ao rapaz e como estávamos necessitando de um impressor, nós o contratamos.

Roberto Rivieri (foto) era seu nome, residia em Itu, mas estava sempre em Salto, onde fez muitas amizades. Logo percebemos que ele era o que se pode chamar de uma verdadeira “figura”, fazendo rir pelas situações que criava ou das quais participava. Em vários dos meus 7 livros de crônicas tive a oportunidade de contar alguns dos causos em que ele se envolveu, começando com “As trapalhadas do ituano-saltense”, que contei em “Cidade Divertida e Pitoresca”.

Nesse livro contei algumas das muitas aventuras vividas pelo Bertinho, como era chamado, que trabalhou no Taperá até o final de 1993, entregando jornais, nos últimos tempos. Uma delas aconteceu numa noite em que ele trabalhou até tarde no jornal e eu, notando que ele iria perder o último ônibus para Itu, às 23 horas, fiquei na gráfica esperando pelo término do seu trabalho para levá-lo até a cidade vizinha. Só que ao chegar na casa dele, bem fora do centro urbano, começou a relampejar, com trovões e raios que cortavam o céu. Ele, então, me perguntou – imaginem – se eu queria que ele me acompanhasse até Salto para não ter que enfrentar a chuva que se prenunciava...

Numa outra vez, aconteceu quase a mesma coisa: perdeu o último ônibus, porque ficou batendo papo no Bar do Salvador, que funcionava no início da Rua José Galvão. Foi me acordar à 1 da manhã para pedir 10 mil cruzeiros, a fim de pegar um táxi para Itu. No dia seguinte fiquei sabendo que ele não encontrou nenhum táxi no ponto e por isso foi até a praça onde se abrigou da chuva sob o guarda-chuva do Oberdan, que trabalhava como guarda na praça. Ficou na expectativa de pegar uma carona, mas o movimento de veículos era quase nulo. Estava louco pra ir embora, até que por volta das 3 horas surge na ponte um táxi vindo de Itu e o Oberdan se propôs a parar o veículo, quando ele retornasse, mas o Bertinho notou que o motorista era um taxista a quem devia 10 mil cruzeiros. Por isso pediu ao Oberdan para que ele não parasse o táxi, alegando que a conversa entre ambos estava boa, evidentemente para não se encontrar com o taxista. O guarda, porém, parou o táxi, pedindo pra levar o Bertinho pra Itu e a resposta foi: “Ah, seu Bertinho, não lhe disse que o mundo dá muitas voltas? Você não me pagou uma corrida e agora precisa do meu taxi, não é? Só te levo se pagar os 10 mil cruzeiros que me deve”. Era exatamente o dinheiro que o Bertinho tinha no bolso: com ele, saldou sua dívida e foi levado pra casa.

Tem ainda muitas outras histórias do Bertinho, como quando ele participou do aniversário de um dos meus filhos, comeu seis ou sete pedaços de bolo (que ele adorava) e minha esposa preparou um pedaço bem grande para ele levar para seus 4 filhos. Deixou em cima da mesa, avisou que aquele bolo era dele e, ao voltar, alguns minutos depois o pacote de bolo não estava mais lá. “Ué, cadê o bolo que deixei aqui pra você levar?”, perguntou ao Bertinho. “Pensei que era pra mim e comi”, foi sua resposta.

Bertinho era um comilão, que não rejeitava nenhum tipo de comida. Também não era muito cioso no pagamento dos seus compromissos financeiros e por isso passava por algumas situações embaraçosas. Certo dia ele comentava na gráfica do jornal: “Seu Valter, que vergonha, a Light [antiga concessionária de energia elétrica] esteve ontem em minha rua e cortou a energia de 4 ou 5 casas. Que absurdo, essa gente deixar de pagar a Light...” De pronto lhe perguntei: “E a energia de sua casa?”. “Cortaram também” – respondeu e deu aquela risada gostosa que deixava o dr. Mário Dotta admirado. “Eu nunca vi alguém terminar um discurso [Bertinho não dispensava o uso da palavra, quando solicitado] com uma sonora gargalhada”.

Tem também aquela história que recentemente contei da ponte dentária do Bertinho, que sumiu quando ele comia manga, num passeio que fez com um amigo e a mãe dele numa chácara em Salto. Por azar, a ponte foi encontrada pela mãe do amigo cravada num caroço de manga jogado ao chão.

Na última sexta-feira, dia 27, Bertinho faleceu. Eu e o Jorge fizemos-lhe várias visitas nos últimos anos, quando foi vítima de um AVC e não conseguia falar corretamente, mas sua esposa dizia que seu principal desejo era voltar um dia a Salto, para reencontrar seus amigos, com quem conviveu durante muitos anos no Bar do Gustão ou no Bar do Laércio. Nessas ocasiões, fazia todos rirem com sua ingenuidade e suas histórias dosadas de humor. Não deu tempo. Ele se foi, porém deixou na mente dos seus amigos a lembrança dos bons tempos vividos, que proporcionaram boas risadas.

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