REPETECO
Retorno forçado
Não sabia explicar como chegou aqui, se de ônibus, trem ou de carona. O certo é que depois de 50 anos retornava a Salto, mesmo tendo prometido para si mesmo que jamais regressaria à cidade que lhe trazia amargas e tristes recordações. Fora embora ainda jovem, para a capital, e nem notícias queria saber de sua cidade natal, cortando até mesmo relações com os parentes que aqui residiam.
Já que estava de volta, bem vestido, embora sem dinheiro no bolso, resolveu dar uma volta pelo centro. Viu a praça, bonita, o movimento no terminal de ônibus, em frente a um enorme prédio, que descobriu ser um Clube de Trabalhadores. Andou pelas ruas próximas e percebeu que firmas comerciais do seu tempo na cidade tinham desaparecido, como a Sapataria Americana, de José Bravo, onde agora funcionava uma pizzaria; a Casa Armênia, de Nulbar e Kevork Panossian, filhos de seu Alexandre, na esquina com a 7 de Setembro, agora Monsenhor Couto, onde existe um restaurante; a Padaria Piaia, de Luiz Piaia, agora se transformara em oficina; a Loja Dotta, de dona Francisca Dotta, na 9 de Julho, estava ocupada por uma farmácia; o Bar do Olavo, na 9 de Julho, desaparecera e dera lugar a uma loja, em frente a uma grande agência bancária, que não existia na época.
Impressionou-se com o grande número de lojas na 9 de Julho, subiu até a Avenida D. Pedro II e admirou a mudança. Perguntou pelas casas da Brasital, feitas de tijolinhos, observou o trânsito, intenso naquela hora. Foi até o local onde existia o Cemitério Velho, agora ocupado por uma escola e por uma bela praça.
Dirigiu-se a um senhor idoso, sentado num banco da praça e perguntou pelo prefeito Vicente Scivittaro, o “Chinchino”, pelo grande orador Hélio Steffen, pelo Joseano Costa Pinto e Mário Dotta e soube que todos eles haviam falecido. Solicitou informações sobre a Saltense e Guarani, grandes equipes de futebol da época em que residia em Salto, pelo Clube Ideal, onde, ainda jovem, se divertia nos bailes e ficou decepcionado com as informações que recebeu.
Cruzou com gente de sua época, como aquele dono de escritório de contabilidade, com o integrante de uma família que possuía uma vinícola, com aquele senhor que trabalhava na Brasital e militava num jornal da cidade. Todos olhavam em sua direção, mas pareciam não vê-lo. Ignoravam sua presença. Também, mais de 50 anos depois, quem se lembraria?
A banca do Braz Ferraro e do Francichiné já não existia, então ele foi até a banca de jornais e revistas da praça, perguntou pelos jornais O Liberal e O Trabalhador e foi informado que os mesmos já não existiam. Viu exposto um exemplar do Taperá e se impressionou com seu aspecto colorido. Pegou o jornal, leu as notícias da 1ª página, as manifestações na Secretária Eletrônica, os editoriais, virou mais algumas páginas e deu de cara com a foto de alguém muito parecido com ele, na coluna de Falecimentos. Leu:
Faleceu ontem na capital, onde residia há mais de 50 anos, o saltense ...
(Livro “Vagueando” – 2010)