REPETECO
Eles estão lá
Os pavilhões avermelhados, com tijolos à vista, as cercas de arame farpado que um dia foram eletrificadas, as imagens terríveis, mostradas em fotos ampliadas, o silêncio sepulcral que fere nossos ouvidos, tudo ali tem um aspecto tétrico que o tempo não apagou.
Mas ainda se pode ver, observando com atenção, que olhos esbugalhados nos espreitam. Revelam medo e horror. Desviam quando percebem que são notados. Eles estão em todas as partes: nos espaços entre os pavilhões, nos corredores das cercas eletrificadas, onde os soldados alemães circulavam com os cães, nas salas lotadas de sapatos, roupas, óculos, escovas de dente, pincéis de barba, cabelos, mochilas com os nomes dos alunos, próteses, tudo guardado e conservado para mostrar que o Holocausto não foi uma invenção.
Eles se escondem na escuridão do sótão e quando percorremos aqueles corredores, com salas onde eram castigados ou encerrados, notamos vultos que fogem à aproximação dos visitantes. Eles nos observam de longe e parecem querer ver a reação dos que circulam em silêncio e se emocionam com as cenas que só viram em filmes e que não imaginaram serem tão chocantes ao senti-las tão perto.
Mas há coisas mais aterrorizantes, como o crematório, para onde eles eram levados em grupos, um grande salão semienterrado, coberto por um gramado, ao qual se tem acesso por um corredor. Eles estão lá e indicam a quem chega a placa impedindo a entrada. É proibido ver a cena dantesca em todos os seus detalhes. Mas se pode ter acesso ao forno, onde os corpos eram queimados. O tempo eliminou o cheiro, que devia tornar o ambiente irrespirável, mas manteve as marcas do sacrifício cruel no piso ou nas paredes.
As cerca de duas horas da visita são feitas em completo silêncio. Ouve-se apenas a voz dos guias, em línguas que eles não entendem, dezenas de línguas que se misturam, para contar uma história que o mundo quer esquecer. A grande maioria das pessoas sai emocionada, algumas choram, outras procuram entender como se pode cometer tanta crueldade contra seres humanos.
Eles estão lá, em todos os lugares, mas não explicam. E nem precisa. Basta suas presenças, não física, mas incorpórea, que, mesmo invisível, encerra um lamento ensurdecedor, lancinante, contra a insanidade de homens que um dia fizeram de Auschwitz um dos infernos da humanidade.
(Do livro “Vagueando” – 2010)