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REPETECO

Última estação


Todas as pessoas – adultos, jovens e até crianças – deveriam um dia conhecer uma casa de repouso, que pode ser considerada a última estação da vida para muitas pessoas. Em virtude da internação de um membro da minha família, tenho frequentado uma delas e, a cada visita que faço descubro novas facetas em mulheres que pelos mais diversos motivos tiveram que ser enclausuradas, para poder receber um melhor tratamento.

Elas têm olhares distantes, vagos. A maioria apagou de suas memórias momentos bons e ruins de suas vidas. Lembram coisas da infância, da juventude, mas se esquecem do que houve ontem ou na semana passada. Uma delas, por exemplo, disse que era muito amada pelo pai, a quem amava também, e revelou que ele “morreu duas vezes”, muito provavelmente fazendo confusão com a morte do seu marido.

Naquele ambiente quase sempre de tristeza, há um toque de alegria, proporcionado por uma mulher pequena, magra, que destina sorrisos aos visitantes, apertos de mão, carinhos e palavras que revelam seu estado de espírito: “linda – bonita – beleza”. Viveu nos Estados Unidos e por isso, se solicitada, diz algumas frases em inglês. Mas tem dificuldades em formar frases com nexo em português e por isso diz coisas como “vamos ver, estaremos aqui, é verdade, mas está tudo bom”.

As outras parecem ansiar pela vinda de algum familiar, olhando para o portão de entrada, como se estivessem esperando o trem para sua última viagem. A maioria faz confusão, como a senhora que achou que eu era seu filho: “Você é o Orlando. E sua esposa é a Creide”. Não adiantou dizer que ela estava enganada. Durante o tempo em que permaneci na casa, ela me olhava de viés, desconfiada. Acabei por ignorá-la, mas ela ficou de olho, talvez esperando um gesto de carinho ou a confissão de que eu realmente era seu filho. Já próximo do portão de saída, ouvi uma voz vinda lá do fundo: “Tchau, Orlando!”.

Resignado e um tanto constrangido, não pude deixar de assumir a nova identidade e respondi: “Tchau, mãe!”.

(Taperá – 14-06-2006 – livro Croniquetas)

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