REPETECO
A última caminhada
Nas várias vezes que me convidou para visitar sua residência em São Sebastião da Grama, Tita Ferrari fazia questão que eu fosse conhecer sua “pista de Cooper”. Quando lá estive, há cerca de dois anos, tive finalmente a oportunidade de conhecê-la: ficava nos fundos da casa, formada por pedras dispostas em sequência, com cerca de 50 metros de extensão, tendo ao centro um bem cuidado gramado. Era ali que Tita fazia suas caminhadas diárias, adequadas para quem beirava os 100 anos de idade (que chegou a completar).
O ex-prefeito saltense nunca foi, na verdade, um praticante de esportes. Era esportista, mas do tipo que atuava nos bastidores, fundando e dirigindo clubes, como o Corinthians Saltense e a A.A. Saltense e torcendo pelo vizinho do seu apartamento em São Paulo, o Palmeiras. Mesmo assim, exibia um físico invejável e seu porte ereto e andar firme, impressionavam aos que tomavam conhecimento de sua idade.
Olhando aquela “pista”, foi inevitável a comparação com a longa caminhada que Tita teve na Terra, ultrapassando a barreira dos 100. Ele foi o caminhante de calças curtas que viveu seus primeiros anos no campo, em seu amado Buru, e depois veio para a cidade, pelas mãos de seu pai Hilário, onde atingiu o ponto culminante desejado por muitos: o cargo de prefeito, ocupado em duas ocasiões.
Um dia teve que seguir para longe de sua terra querida: São Paulo, caminhada que deve ter feito a contragosto, pois seu desejo era ficar. Mas sempre que podia voltava a Salto, onde tinha inúmeros parentes e amigos.
Posteriormente, seguiu para bem mais longe: São Sebastião da Grama, quase na divisa com Minas Gerais, acompanhando sua esposa Maria, que tinha raízes na região. Viveu dias tranquilos naquela terra, que o recebeu de braços abertos, mas não cortou seus vínculos com Salto, conversando com os saltenses através da Secretária Eletrônica, da qual foi considerado leitor-símbolo.
Com o tempo, os telefonemas e as cartas foram rareando. Sua esposa nos revelou que ele queria telefonar, mas a dificuldade de usar o aparelho e de falar o impedia. Queria escrever, mas as mãos já não o obedeciam como antes.
No último sábado chegou a notícia de sua morte. Foi também o dia de sua caminhada de volta a Salto, onde seu corpo jaz numa sepultura onde mandou gravar que todos são iguais, sem diferença de classe social, raça e cor.
Seu corpo fez a última caminhada até o chão que lhe servirá de berço para todo o sempre, enquanto sua alma seguiu numa viagem sem volta, de onde certamente estará nos dando adeus, com aquele sorriso e aquela convicção própria dos que estão em paz com Deus e com sua consciência.
(Taperá 04/06/95 e livro Croniquetas)