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REPETECO

Memórias privilegiadas


Sabe aquele amigo do Chico Garcia que ele citou numa de suas crônicas como o sujeito que só se lembrava de uma piada? Aquela dos dois portugueses que compraram uma padaria no Brasil, um ficou no caixa e o outro entregando as mercadorias? O que entregava mercadorias dizia para o que estava no caixa, ao completar o pedido: “Paga 10”, “Paga 19” e assim por diante. A certa altura o do caixa avisou em voz alta: “Para tudo! Acabou o dinheiro!” É que ele, ao invés de receber, ele pagava aos fregueses. Tenho a honra de comunicar, a quem interessar possa, que aumentei em 100% meu repertório de piadas: agora me lembro perfeitamente de duas.

Admiro as pessoas que têm facilidade de gravar na memória longos textos, como o Antonio Fagundes, numa peça que assisti, na qual fazia um monólogo que parecia interminável. Aqui mesmo em nossa cidade temos dois com memória privilegiada que interpretam textos quilométricos: Cristina Pousa, que numa comemoração do aniversário da cidade reproduziu na íntegra “Os rios da minha terra”, do dr. Mário Dotta, quando foi inaugurado o monumento com o longo texto do falecido advogado, nas margens do Rio Tietê: e Hélio Rodrigues que numa entrega do troféu Taperá aos Destaques do Ano ficou mais de 10 minutos interpretando um extenso poema de Guerra Junqueiro.

Não pensem que esse pessoal que trabalha em novela são todos bons no quesito memorização. A gravação é feita em “pedaços”, com muitos cortes, dando a eles a oportunidade de gravar de novo, corrigir, repetir, até que o diretor considere a gravação perfeita. Os que trabalham no teatro sim gravam as falas na memória, assim como os “show men” que gravam centenas de piadas em sua privilegiada massa cinzenta.

Um desses humoristas, aliás, foi quem contou a segunda piada que consegui gravar das centenas que ouvi em toda minha vida: o Ary Toledo. Não me esqueço delas exatamente porque trata de falhas de memória, que ataca as pessoas de uma certa idade, dentre as quais me incluo. Ele relata o que aconteceu com um casal com mais de 80 anos que procurou um médico porque ambos estavam se esquecendo de tudo. O médico os ouviu atentamente e lhes disse que para o problema que apresentavam não havia remédio. Recomendou que escrevessem tudo que precisassem fazer, não confiando jamais na memória.

Chegando em casa foram assistir a um programa na televisão e a certa altura a mulher pediu ao marido que fosse a cozinha buscar um pedaço de bolo e um copo de leite. “Pois não”, respondeu o marido e quando se dirigia para a cozinha a esposa recomendou: “Escreva, para não esquecer”.

“Imagine – respondeu o marido – como vou esquecer uma coisa tão simples? Um pedaço de bolo e um copo de leite”. Foi para a cozinha e depois de alguns instantes apareceu com uma Coca-Cola e um pacote de bolachas. “Aqui está o que você pediu”, disse à mulher.

Ela prontamente retrucou: “Não falei pra você escrever? Se tivesse escrito, saberia que eu lhe pedi uma aspirina e um copo d’água!”.

(Livro “Vagueando” – 2010)



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