REPETECO
Roquinho era gente humilde
Existem pessoas que executam trabalhos simples, principalmente os braçais, para os quais não se dá a devida importância. Uma delas foi Roquinho, que trabalhava nos cinemas locais, filho de Chicão, que vendia amendoim. Os mais novos hão de perguntar: quem são esses personagens? São gente humilde, como os da música de Chico Buarque, sem maiores pretensões na vida, a não ser manter as tarefas que realizavam e que lhes davam o sustento, impedindo-os de morrer de fome.
De Chicão pouco se tem a dizer, pois era vendedor de amendoim a granel, que ele pegava da cesta com um copinho, pouco maior que um dedal. Roquinho era diferente: medroso, tímido, magricela, que andava com os trajes em desalinho (um único terno surrado). Era visto pelas ruas da cidade, principalmente as do centro, começando sua faina logo pela manhã, quando levava, numa carrocinha, as tabuletas que colocava em algumas esquinas, informando os filmes que seriam exibidos num dos cinemas. Por volta do meio-dia passava arcado, empurrando a mesma carrocinha, só que levando as latas de filmes enviadas pelas exibidoras de São Paulo, que ia buscar na agência da Viação Anhangueira da Rua Monsenhor Couto. À tarde, recolhia as tabuletas e à noite ficava nas imediações dos cinemas (primeiro no São José, depois no Verdi), só entrando na sala de exibição quando a sessão começava.
Além desse trabalho braçal, demonstrava suas habilidades artísticas nos desenhos ou letreiros que fazia nas tabuletas e nos muros, anunciando os filmes. E nos espelhos das barbearias, nos finais de ano, desejando Boas Festas aos clientes. No cinema, sentava-se numa das primeiras fileiras e ficava nervoso quando os garotos e rapazes faziam barulho, do qual tinha verdadeira ojeriza.
Numa certa época vendia também a então Revista Taperá, no cinema e nas imediações, mas no acerto de contas de segunda-feira ficava sempre devendo.
Ninguém dava 10 centavos por aquela figura digna de dó. Quando ele morreu, porém, não foi possível arrumar um substituto para colocar e recolher tabuletas diariamente, pintá-las, assim como os muros e espelhos das barbearias. Se querem um “moral da história” adequado, pode-se dizer que as pessoas, por mais humildes que sejam, por mais simples o serviço que executam, quando faltam é que se vê reconhecida sua importância.
Foi só depois que Roquinho morreu que descobriram: apesar do seu aspecto andrajoso e da tarefa modesta que executava, ele era uma pessoa útil.
(Do livro “Croniquetas” – 2006)