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REPETECO

O apito na virada de ano


Não falhava. Em todo final de ano, exatamente à meia-noite, o apito da Brasital tocava durante cerca de 10 minutos. Quando não havia tanto barulho de rojões, como hoje, o silvar daquele instrumento dominava a noite da cidade que não tinha a extensão dos dias atuais.

O apito tinha uma ligação com os operários maior do que estes com o patrão. Era ele quem acordava o trabalhador nas primeiras horas da manhã; era quem alertava que faltava pouco para os portões de fecharem; era quem marcava a entrada e a saída das turmas; era quem dominava as 24 horas do dia, fazendo as pessoas acertarem o relógio, pois uma coisa era indiscutível: a hora assinalada pelo apito é que era a certa.

No dia 31 de dezembro havia uma espécie de trégua entre os operários da indústria e o apito. Durante o ano todo ele chamou, alertou, liberou, cobrou, obrigando os funcionários da indústria a seguir religiosamente suas determinações. No último dia em ano, no entanto, ele parecia se confraternizar com todos, transformando seu som estridente, ouvido em toda a cidade, em música para os ouvidos treinados em obedecê-lo. Havia até quem se emocionava ao ouvi-lo.

Um dia os salões da indústria ficaram vazios, os portões de acesso se fecharam, o relógio da torre, na entrada, deixou de marcar as horas e o apito também silenciou. Os “escravos do apito”, de obedientes passaram a ser saudosos. Com o fechamento da fábrica, perderam também seus empregos, mas o que também lamentaram foi aquela ligação, quase uma simbiose, com patrões, chefes, encarregados e companheiros de trabalho, com os quais formavam uma grande família.

Ficou a saudade do apito, que no último dia do ano proclamava, aos quatro ventos, essa união.

(Croniquetas – 2006)

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