REPETECO
Quando os veículos não dominavam as ruas
Houve época que os veículos não eram as figuras mais importantes em Salto. Éramos criança e recordamos que havia poucas ruas pavimentadas com paralelepípedos (asfalto, nem pensar), no centro. A 9 de Julho era uma delas e antes era chamada de “Rua de Campinas”, porque fazia parte integrante da estrada que levava até essa cidade, passando primeiro por Indaiatuba.
O trânsito só era um pouco mais intenso nessa rua-estrada, como era considerada, pois por ela passavam os veículos que procediam de Itu ou Sorocaba, em direção às duas cidades citadas e vice-versa. Não existia uma rodovia que passava fora da área urbana, o que só aconteceu com a inauguração da SP-75. Os proprietários dos bares, lanchonetes e restaurantes da 9 de Julho bendiziam essa falta, pois muitos veículos passavam em frente aos seus estabelecimentos, antes ou após enfrentarem as estradas de terra, a fim de tomar uma bebida gelada, comer um lanche, salgadinho, ou até mesmo fazer uma refeição. O trânsito regional, naquela época, era benéfico para Salto.
Mas nem sempre. Assim como as pessoas comuns, os torcedores de times de futebol, que rumavam em direção a Itu-Sorocaba ou Indaiatuba-Campinas, também passavam pelo centro de Salto e não foram raras as vezes em que nossos bares foram verdadeiramente saqueados por esses torcedores, principalmente os da Ponte Preta de Campinas, useiros e vezeiros nesse procedimento. Enquanto alguns faziam os pedidos no balcão, outros iam enchendo os bolsos e as bolsas com o que estivesse exposto, sem que os proprietários tivessem o que fazer para impedi-los.
Numa época mais longínqua (década de 1950) Salto contava com poucos veículos: os caminhões, que levavam e traziam mercadorias pelas péssimas rodovias então existentes (para se viajar para São Paulo levava-se mais de 4 horas, passando por Cabreúva, Pirapora e Santana do Parnaíba); eram raros os ônibus, que faziam a linha Salto-Itu-São Paulo e os carros de passeio, contando-se os táxis, estes em maior número que os particulares.
Dentre os proprietários de carros particulares, pode-se citar uns poucos, dentre eles Luiz Milanez, que impressionava com seus importados e de cores berrantes, diferentes dos predominantes pretos e azulões, que eram maioria. Dos taxistas daquela época, recordamo-nos do sorridente Pacheco, do Morgilinho, João Ramos e filhos Zito e More; dos irmãos Miloco e alguns outros.
Os veículos disputavam os espaços com os pedestres, que dominavam não só as calçadas, mas também o chamado “leito carroçável” (talvez porque por ali transitavam também as carroças). Não havia sinalização de trânsito; não se exigia o cinto de segurança (que nem existia); praticamente não se multava; não havia infrações gravíssimas, graves, médias ou leves. Enfim, o trânsito não era o assunto predominante naquela Salto romântica, que não tinha poluição, que dormia cedo e cujo único barulho procedia da queda d’água, não incomodando sequer os taperás que dormiam ao lado toda noite, aconchegados às pedras.
“Crônicas da Cidade” - 2002