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CRONICANDO

Um telefonema


Não me lembro de ter relatado esse fato, mas outro dia estava me lembrando do tempo em que trabalhava no Posto de Fiscalização Estadual de Salto, na década de 1960, e no dia em que recebi um telefonema que marcou minha vida jornalística. Nenê Carola, Edmur Sala e eu tínhamos fundado a Revista Taperá, substituindo o polêmico e político jornal O Liberal, de propriedade do dr. Archimedes Lammoglia, no qual o mote principal era crítica justa ou injusta contra Vicente Scivittaro (“Chinchino”), líder político de expressão da época, inimigo fidagal do dr. Lammoglia. Com o novo órgão de imprensa pretendíamos cuidar mais da parte social, deixando de lado as discussões políticas estéreis, que só causavam desunião e inimizades na cidade.

Numa tarde, próxima do fim do expediente, o telefone do Posto tocou e o funcionário que atendeu me avisou: “O ‘Chinchino’ quer falar com você”. Confesso que tremi e logo me lembrei, com culpa, das críticas e gozações que fazia a ele em O Liberal, achando que chegara a hora do revide. Tudo bem, o jeito era enfrentar e com a voz rouca disse um “Alô” meio inaudível.

- É o Valter Lenzi, né – disse ele -, você é um dos diretores desse novo jornal que vai ser lançado, não é? Quero lhe pedir uma coisa: você que é moço, faça um jornalismo imparcial, diferente do que O Liberal vinha fazendo. Conheço seu pai, que é um homem sério e justo, e acho que você também quer ser uma pessoa como ele. Você ainda é jovem e pode seguir um caminho diferente do que O Liberal vinha trilhando. Isso não é fazer jornal, você não acha? Está na hora de acabar com isso”.

Respondi um “sim” meio abafado e ele continuou:

- Estou falando com você porque o Nenê sempre foi meu inimigo e o Edmur sempre apresentou os comícios do pessoal do Lammoglia e aproveitava o tempo todo para me criticar. Pense bem no que estou lhe dizendo.

E desligou...

Aquele telefonema mexeu comigo e fiquei alguns minutos relembrando as muitas matérias que fiz contra “Chinchino”, a quem admirava antes de ingressar em O Liberal, seguindo os passos do meu pai, que era “chinchinista”. Nesse jornal eu havia me “enquadrado”, seguindo a corrente dos demais redatores, tornando-me também um crítico voraz das atitudes do líder político. Éramos um tanto irresponsáveis e queríamos ver “o circo pegar fogo”, pois podia-se dizer tudo naqueles tempos, sem problemas com processos, indenizações, etc.

Nos anos que se seguiram me lembrava das palavras de “Chinchino”, sobre a necessidade de ser imparcial, mas aos poucos elas acabaram se fixando em meu subconsciente. Recentemente me lembrei daquele telefonema feito há mais de 50 anos. Satisfeito, vejo que ele serviu de parâmetro para minhas atividades do dia a dia, quando se exige do jornalista muito mais do que uma boa redação, informação correta e comentário justo: a imparcialidade ressaltada por “Chinchino” num telefonema.

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