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REPETECO

Um triste Dia das Mães

Embrulhinhos estranhos aqueles. Eram três, que ela encontrou casualmente numa das gavetas do guarda-roupa do seu filho, naquela manhã de domingo, quando foi colocar umas camisas. Curiosa, abriu um deles e verificou que se tratava de uma espécie de pedra disforme e sem cor definida. Abriu os outros dois e o aspecto era o mesmo. Sentou-se na cama do rapaz – que fora jogar futebol com os amigos – e continuou a olhar para aqueles três pequenos embrulhos, pensando no pior: “Meu filho está fumando crack?”.

Sentiu um aperto no peito, uma sensação estranha, como se estivesse sem chão. “Não pode ser”, disse para si mesma. “Mas, e se for?”. Nos últimos tempos tinha notado um comportamento estranho do garoto. Com 13 anos de idade, ele deixou de se interessar por muitas coisas que antes lhe causavam prazer, como ir ao Ginásio de Esportes com seu pai assistir aos jogos ali disputados; ir com ele a um pesqueiro, aos domingos, ficando radiante quando conseguia pescar algum peixe, que trazia como um troféu para sua mãe, além de outras coisas.

Seu proceder agora era outro: saia à noite com alguns amigos que ela não conhecia e voltava sempre depois das 11, alegando que estava batendo papo numa loja de conveniência ou em alguma lan-house. Quando não saia, fechava-se no seu quarto, onde permanecia por longos períodos, não atendendo ao apelo dos seus pais, que batiam na porta para perguntar se estava tudo bem. Já não acompanhava os familiares quando eles assistiam aos filmes na TV, aos programas de que gostava e nem mesmo aos jogos de futebol de quarta-feira ou domingo, num dos canais de TV. “É sempre a mesma coisa”, justificava.

Sentada na cama do rapaz, a mão lembrou-se do filho ainda bebê, que ela levava onde queria, colocava a roupa que lhe dava na telha, enfim que, se ele quisesse ou não, manobrava-o como desejava. Até pelo menos aos 10 anos foi assim. Ele sempre acompanhava os pais e tinha satisfeita a maioria dos seus pedidos, não havendo motivos para revolta. Nos dois últimos anos, porém, ele “criou asas” e passou a sair sozinho ou em companhia dos amigos, deixando os pais às vezes preocupados.

No silêncio do quarto a mãe rememorou toda a vida do garoto, filho único, ainda no seu início. Não, não podia aceitar que ele se tornara um viciado. Aquelas pedras de crack devem ter sido colocadas ali por alguém, ou surgiram de algum lugar. Tentava arranjar uma desculpa, qualquer que fosse, mas acabava caindo na real: seu filho era mesmo um viciado! O que fazer? Contar ao pai dele? Abrir o jogo com ele? Ignorar?

Quando o garoto chegou, ela ainda estava no quarto, estática, sem voz, esperando por uma explicação convincente. Ao entrar, vendo os embrulhinhos sobre a cama, ele olhou-a, com um olhar vago, culposo e triste, que dizia tudo. Abraçou a mãe, recebeu um abraço e ambos choraram, sem dizer palavra.

Foi o mais triste Dia das Mães para aquela mãe e para seu filho.

(Livro “Vagueando” – 2010)

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