REPETECO

O “foothing”, a frase e o prefixo musical

Domingo à noite: a praça principal da cidade apresentava, como sempre e quando não chovia, um movimento inusitado, com o “footing” de todo o final de semana. O termo em inglês, aliás, não era utilizado, dizia-se mais “pegar a praça”, pois nem todos sabiam que “footing” quer dizer passeio ou caminhada a pé. E quem caminhava a pé, indo e voltando, eram as garotas, com seus vestidos domingueiros, rouge e batom no rosto, spray fixador nos cabelos, passando pelos rapazes, na maioria vestindo ternos com a indispensável gravata, parados, só observando. Troca de olhares (“tirando linha”, como se dizia), galanteios em tom de voz suficiente para que a garota-alvo ouvisse, algumas paradas delas para uma rápida conversa, resultando às vezes numa saída a dois para uma conversa “tête-à-tête” num banco do jardim. Início de um namoro que poderia levar ao casamento.

Era assim, no início da década de 60, seguindo uma tradição de dezenas de anos. Mudava apenas o local do “footing”: da calçada ao lado do jardim, na Rua José Weissohn, para uma das pistas da ligação entre a Rua 9 de Julho e a ponte sobre o Rio Tietê, por exemplo. O movimento começava por volta das 19 horas e terminava impreterivelmente às 22, quando o locutor do serviço de alto falantes da praça, Valentim José Moschini, pronunciava a frase que era uma espécie de senha para anunciar o encerramento da transmissão, com o fundo musical de sempre. Todo mundo sabia de cor a frase: “Quando o homem forma um caráter íntegro, pouco importa o que digam a seu respeito, pois afinal ele vencerá”, talvez em resposta a uma possível maledicência, pois Valentim era também vereador e a rixa entre as facções políticas era forte.

A frase ainda nem chegava à metade e a maior parte das moças já ocupava o primeiro quarteirão da 9 de Julho, subindo a rua em direção às suas casas, para não chegar muito além do horário limite das 22 horas. Os rapazes, por sua vez, amaldiçoavam a frase e o prefixo musical utilizado no início e final das transmissões:

- Justo agora que aquela garota estava me dando bola... - lamentava um deles, inconformado com o adiamento de um possível início de romance.

Fica para o próximo final de semana. Se não chover...

(“Crônicas da Cidade” – 2002)