REPETECO
Circos de outros tempos
Numa Salto onde os crimes mais graves eram os furtos de galinhas, cujos habitantes dormiam cedo, pois no dia seguinte os apitos das fábricas acordavam a população ainda de madrugada, aparecia de vez em quando um circo. Eles eram armados no chão batido da praça onde ainda existia o Coleginho das freiras, ou no terreno hoje ocupado pelo prédio da Biblioteca Municipal, na Praça Paula Souza. Eram em sua maior parte circos pobres, com a lona de cobertura toda remendada, cujo palhaço era também o galâ da circo-novela e o vendedor de pipoca nos intervalos.
Eles passavam sempre pela cidade e geralmente se demoravam, acabando por fazer amizade e se relacionar bem com muitos saltenses. Não chegavam a causar grandes danos à economia do município, pois cobravam importâncias irrisórias pelo ingresso e nem sempre tinham casa cheia. Proporcionavam até ganhos extras a algumas pessoas, como os vendedores de amendoim, pipoca, doces, etc., que se postavam na porta dos circos, fazendo um bom movimento. O Chicão, por exemplo, estava sempre por lá, com sua cesta de amendoim torradinho.
Alguns desses circos tinham seus talentos, que deixavam sua marca na memória dos espectadores. Um deles foi o Circo Irmãos Almeida, que tinha um nível um pouco melhor que seus concorrentes, que vinha para Salto e fazia sucesso, porque contava com um elenco que apresentava os “dramas” que marcaram época, como “Escrava Isaura”, “Vida de Artista”, “O Ébrio”, “Coração Materno”, “Os Irmãos Corsos” e outros. É que a maioria dos circos, naquela época, não apresentava apenas números de acrobacia, de mágica, globo da morte, equilibrismo, animais, etc., da forma como acontece hoje. Já que as peças eram apresentadas apenas nos raros espetáculos teatrais e não havia as novelas da televisão para distrair o público com esse tipo de apresentação, eles exploravam o gênero “folhetim” a sua maneira.
A figura mais destacada do elenco do Circo Irmãos Almeida era um típico galã daqueles anos 50, ao estilo Errol Flynn, chamado Walter de Almeida. Além da figura que encantava as moças e senhoras, possuía uma bela voz. Ele deixou gravada nas mentes de muitos saltenses, que se lembram dele até hoje, a letra e a música que interpretava na peça “Vida de Artista”, um sucesso todo seu, que dizia em um dos seus versos que “há ainda quem diz, que a vida do artista é alegre e bem feliz / Porque não sabe adivinhar que o artista está sorrindo com vontade de chorar”. (Evidentemente, o artista a que ele se referia era o de circos mambembes como os da época, porque hoje os artistas de telenovela, por exemplo, estão sorrindo com vontade de sorrir mesmo, porque no fim do mês o dinheiro cai na conta).
Todos os saltenses tinham um pouco dos artistas de circo, sorrindo com vontade de chorar, diante das dificuldades que a vida lhes proporcionava e da falta de perspectivas com relação ao futuro. Muitos anos depois, no entanto, as coisas ficaram ainda mais difíceis, como a falta de oportunidades de emprego, a substituição dos homens pelas máquinas, etc. Os que sobreviveram, hoje olham para o passado e têm que reconhecer que, apesar de tudo, eram até mais felizes que hoje e não sabiam, já que não poderiam prever.
(Do livro “Momentos”- 2003)