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REPETECO


Deu na revista “Time”


Hoje é difícil Salto ser focalizado na Folha ou no Estadão [só quando tem muita poluição no Rio Tietê], mas uma vez em nossa história – em 1950 – nosso município foi notícia na revista Time, que circula nos Estados Unidos e é uma das mais importantes do mundo. Isso aconteceu graças à façanha de alguns rapazes que, cansados de serem explorados por uma empresa de ônibus que fazia o trajeto Salto-Itu e vice-versa, puseram fogo no ônibus [hoje isso é até comum em algumas cidades, mas naquela época era fato raríssimo].

Sob o título “Fogo lento” a revista americana contava que “na cidade de Salto, Estado de São Paulo, o povo finalmente revoltou-se. Superlotado de passageiros, um velho calhambeque partiu na sua viagem de Salto a Itu (não confundir com Itu, no Rio Grande do Sul, sede do rancho do presidente eleito, Getúlio Vargas). Balançando e roncando, a uma pequena distância de Salto, a ruína sem freios chocou-se com a trazeira de um caminhão e tombou. Por milagre, ninguém morreu. Algumas horas depois arrumaram o ônibus e levaram-no para o escritório da empresa, em Salto, pronto para outra viagem. Os passageiros, machucados e aborrecidos, estavam também prontos, mas não para outra viagem. Em vez de viagem, enquanto alguém guiava o ônibus, outros puxaram-no até a praça principal de Salto. Incendiaram-no e apreciaram com satisfação a sua consumação pelo fogo”.

Esse texto da Time relatava o fato ocorrido no dia 8 de novembro de 1950 e surpreendeu a então pacata cidade, onde não aconteciam crimes de morte e as ocorrências de roubo ou furto eram praticamente inexistentes. Os casos mais “importantes” na época, registrados pela Delegacia de Polícia, eram as brigas domésticas, as bebedeiras e um ou outro furto de galinha. Porém, naquele dia, como publicava o jornal O Liberal, “o povo, esse mesmo povo pacato, quieto, esse mesmo povo que sempre se conformou com o que lhe acontecia, viu nesse dia acabarem as suas reservas da preciosa paciência”.

A providência radical, adotada por alguns jovens que estudavam no Ginásio de Itu e que viajavam diariamente para a vizinha cidade (razão pela qual conheciam muito bem os problemas da Auto Viação São Paulo), ao invés de receber a reprimenda da imprensa e da população, ganhou aplausos. O Liberal dizia que, se pudesse, teria imenso prazer de “condecorá-los pela sua bravura, pelo seu espírito humanitário, pela sua grande visão. Fazendo isso, salvaram, quem sabe, dezenas de pessoas da morte, ou de qualquer outro fato grave”. Depois de dizer que “a paciência também se esgota e quando se esgota, é como a gasolina utilizada para pôr fogo no ônibus: facilmente se inflama”, o jornal se congratulava com os jovens, a quem chamou de “resolutos” e pedia que eles continuassem acordados.

Aquela atitude extremada acabou com os abusos e permitiu que o serviço de transporte intermunicipal entre Salto e Itu melhorasse, mas os jovens que puseram fogo no “ônibus do Guerra”, como o coletivo era chamado, tiveram problemas com a Justiça, pois sofreram um processo, que felizmente deu em nada. Hoje, daqueles rapazes que a população considerou heróis, apenas Clayde Pântano reside em Salto. Ele e outro saltense, Aldo Raggio, que eram os dois maiores de idade, responderam a processo e tiveram até que promover rifas para pagar as despesas com advogado.

Além de contribuir para que a população passasse a receber um melhor tratamento em suas viagens para a vizinha Itu, os valentes rapazes foram autores de uma proeza, certamente inédita e que dificilmente será superada: botaram o nome de Salto numa revista de renome internacional, a Times.

(Livro “Crônicas da Cidade” – 2002)

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