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REPETECO


Tragédia na “pelada” de Natal



Minha idade me permite dizer que passei por várias fases natalinas: a época em que todo garotinho se contentava com uma bola de futebol e toda menina com uma boneca; depois o período em que ambos queriam a mesma coisa, uma bicicleta, Calói, de preferência; numa outra fase os videogames, e o computador para viajar na internet, até chegarmos aos dias atuais. Tanto meninos como meninas agora querem um celular para jogar, passar suas mensagens, tirar suas selfies, enfim para ficar o tempo todo gastando os dedos nas teclas. Esclareça-se: estou falando dos filhos de pais da classe superios ou média, ou ainda de pais empregados, o que é uma coisa muito rara hoje em dia. Aqueles que não têm tanta sorte e cujas famílias utilizam o dinheirinho que só dá para sua sobrevivência, voltaram às antigas preferências: uma bola, uma boneca, um caminhãozinho, de preferência ganhos das pessoas de bom coração que sempre aparecem na época do Natal, ou de papais noéis com barba postiça, representando empresas ou entidades. Felizmente sempre houve quem se preocupasse com a felicidade dos pequenos e eu tive a oportunidade de constatar isso quando era criança. Morava com meus pais na Rua José Revel e todos os anos aguardava com ansiedade o dia de Natal. Numa dessas ocasiões queria ganhar – como em todos os anos – uma bola de futebol e Papai Noel atendeu, deixando ao lado da minha cama uma grande e bonita, de borracha (de couro, nem pensar!). Recebi o presente e fui direto para a rua, numa época em que se contava nos dedos os automóveis que circulavam pela cidade. Durante a “pelada”, passa um daqueles carrões importados, dirigido por Luiz Milanez, e acontece uma tragédia: suas rodas passam por cima da bola, que estoura. O carrão para, Milanez olha e vai embora, enquanto eu iniciava um berreiro que se ouvia na rua toda. De nada adiantou meus pais prometerem que no dia seguinte comprariam outra nova, eu queria naquela dia, no dia de Natal, quando todos os garotos exibiam seus presentes. Quando tudo indicava que o Natal daquele ano seria um dos mais tristes da minha infância, eis que o carrão do Milanez estaciona em frente da minha casa, ele sai e me entrega uma bola igual à que estourou, novinha. Entrega e vai embora, deixando marcada em minha mente uma bela ação que o tempo não apaga. Aquele foi um fim de ano privilegiado pra mim: Papai Noel me visitou duas vezes. (Livro “Crônicas da Cidade” - 2003)

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