REPETECO
Orgulho acabado
Nas décadas de 1950 e 1960 o saltense tinha muitos motivos para se orgulhar: Anselmo Duarte fazia um tremendo sucesso como galã do cinema nacional e como diretor premiado com a Palma de Ouro, em Cannes. Jota Silvestre apresentava programas de grande sucesso na televisão, como “O Céu é o Limite”: o Maestro Gaó excursionava com sua orquestra, brilhando de costa a costa nos Estados Unidos; o cantor José Lopes fazia um relativo sucesso nos programas radiofônicos, como cantor de tangos e boleros, além de lançar diversos LPs. A gente vibrava quando lia numa revista de variedades ou num jornal; quando ouvia num programa de rádio ou assistia num programa de televisão, um desses famosos artistas dizer que nascera em Salto. Ai se não o fizessem!
Anselmo Duarte se distraiu uma vez ou outra, deixou de dizer a frase e foi muito malhado. Em outra ocasião o repórter que o entrevistou confundiu Salto com Itu e as críticas logo surgiram: “Viram, ele tem vergonha de dizer que nasceu em Salto”. Quando vinha para cá tinha que ficar explicando que nunca dissera que nascera em Itu, mas nem todos acreditavam.
Muitos também criticavam o Jota Silvestre, pelo fato de ele quase não vir para sua cidade natal e de não dizer na televisão que era de Salto. Imaginem se ele poderia interromper um daqueles programas de perguntas e respostas para dizer: “Oi, pessoal, eu nasci em Salto, viu?”. Já o Maestro Gaó, porque estava nos Estados Unidos e José Lopes porque não era tanta conhecido, eram menos cobrados.
Os saltenses orgulhavam-se tanto desses quatro que, num arroubo ufanista, os dois jornais da cidade viviam repetindo: “Salto, cidade celeiro de astros”, como se aqui nascessem Anselmos, Jotas, Gaós e Lopes nas mangueiras, mamoeiros e laranjeiras da cidade. Tanto isso não era verdade que nos anos seguintes os sucessores desses grandes artistas não apareceram e hoje só vivemos de lembranças do passado. É que Anselmo deixou o cinema, Jota Silvestre foi morar nos Estados Unidos (onde faleceu), Gaó também faleceu e de José Lopes pouco se ouve falar.
Não eram só esses artistas, no entanto, que nos enchiam de orgulho: Salto foi uma das únicas cidades do Estado a contar com um deputado estadual que se reelegia, reelegia, reelegia: Archimedes Lammoglia. Se dependesse, porém, dos saltenses, certamente não teríamos a glória de ter um representante durante cerca de 30 anos na Assembleia Legislativa, porque ele não era bem votado em sua cidade.
Infelizmente, hoje o saltense não tem mais muitos motivos para se vangloriar. O que era orgulho, se transformou em esperança. Esperança de de ver um dia os rios Tietê e Jundiaí limpos como antigamente; seu parque industrial crescendo, oferecendo empregos e arrecadação; seus pontos turísticos atraindo muitos visitantes; seu povo unido e feliz. E, por que não algum artista ou futebolista famoso pra dizer que nasceu aqui?
Se isso acontecer um dia, vamos ter que criar um novo slogan. Tão ufanista como o “celeiro de astros”.
(Livro “Crônicas da Cidade” – 2002)