REPETECO
Getúlio Vargas num velório saltense
Um personagem famoso da cidade nas décadas de 1940-1950, um desses tipos populares que ficou na história foi “Zé Macaco”. Gostava de uma cachaça, mas mesmo sóbrio tinha um andar vacilante, por vezes entremeado de passinhos curtos e rápidos. Sempre cabisbaixo, usava um chapéu enterrado na cabeça e circulava pelas ruas de Salto divertindo as pessoas com seus ditos engraçados.
Numa crônica publicada no Taperá em 15 de dezembro de 1984, H.R. (Hélio Rodrigues) contou um episódio vivido por “Zé Macaco”, lembrando que há muito tempo ele trabalhava na antiga Têxtil Assad Abdalla (atual York), sendo estimado pelos seus superiores, em virtude de ser um correto e pontual funcionário. Mas bastavam alguns goles de cachaça, servidos nas horas de folga em quaisquer botecos de esquina, para ele se transformar numa estranha, porém simples, criatura. Entâo, muito inflamado, como se algo lhe soltasse a língua, punha-se em pé e, com gestos largos e teatrais, irrompia num inflamado e desconexo discurso, nos quais as palavras brotavam de sua boca, produzindo sons sibilantes e engraçados.
Lembra Hélio que “algumas das frases pronunciadas pelo eloquente e estranho personagem, repetidas amiúdes, se tornaram familiares e até preferidas dos irreverentes e atentos ouvintes”. Prossegue Hélio: “As mesmas, embora desconexas, eram pronunciadas com tanto ênfase pelo nosso orador, que passaram também a ser ouvidas com um certo entusiasmo pelos ouvintes, como ‘Eu sou Getúlio Vargas!’ – ‘Meu pai é ouro e minha mãe é prata’, às vezes incluindo uma sonora gargalhada, escancarando a feia e desdentada boca”.
Certa feita, no velório de uma pessoa muito conhecida na cidade, num determinado momento entra na sala apinhada de gente o “Zé Macaco”. Embora cambaleante, com ar de profundo respeito, chapéu amassado nas mãos, após o tradicional toque nas mãos roxas e geladas do finado, entra na fila de cumprimentos ao pai do defunto, que, por ser cego, a cada pêsames recebidos, interroga com voz triste e melancólica:
- Quem é você? – tentando descobrir quem lhe estende a mão em tão doloroso momento.
Quando a tal pergunta é dirigida a “Zé Macaco”, o mesmo não deixou por menos e, num tom bombástico de fazer eco dentro da sala, respondeu:
- Eu sou Getúlio Vargas!
Imaginem o que imaginou o pai do falecido e o clima que se seguiu naquele velório depois disso...
(Livro “Cidade Divertida e Pitoresca” – 1999)