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REPETECO

Fiel para sempre


É possível haver fidelidade por toda a vida, após um namoro ser desmanchado? Os casos são raros, mas tenho conhecimento de um que pode ser considerado exemplar, ainda mais porque envolve uma figura pública famosa na cidade. Em sua juventude ele namorou uma jovem bem mais nova que ele, com quem flertou e teve um rápido relacionamento. Quando falo em relacionamento, é bom que se frise que é aquele que era praticado na década de 1950, ou seja, encontros respeitosos com dias marcados (uma ou duas vezes por semana), às vezes até furtuitos. Diferente do que se conhece por relacionamento de hoje, quando o casal divide a mesma sala, a mesma cozinha e até a mesma cama.

Entre a figura pública a que nos referimos e a jovem, aconteceu um amor frustrado, sem que para isso houvesse uma razão muito forte. Pode-se dizer que o rompimento foi por bobagem. Ele era uma pessoa difícil de lidar, tinha certas manias e alternava momentos de alegria intensa com outros de irritação, até de insociabilidade, talvez em virtude da profissão que exercia.

Saiu cedo de casa, indo para um grande centro, onde se formou e passou a exercer a profissão como um sacerdócio, com demonstrações inequívocas de alguém dotado de um grande coração, sempre preocupado em ajudar o próximo. Antes disso conheceu a garota pela qual se apaixonou. Ela vivia em seu pensamento e parecia ser correspondido, chegando até a trocar tímidos e sussurrantes “Eu te amo”.

Passava a maior parte do tempo na capital, mas se comunicava com aquela que considerava o grande amor de sua vida e com quem pretendia casar-se quando as condições financeiras o permitissem. Poucos dias depois de sua formatura, uma grande festa lhe foi preparada em sua cidade natal. Na comemoração abusou da bebida e, depois dos discursos, abraços, parabéns, aconteceu um baile animado por um conjunto da localidade.

Sua namorada estava presente, mas ele lhe comunicou que naquela noite não pertencia a ninguém. Era de todos. Ela, resignada, ficou de lado e viu quando uma bela jovem cochichou alguma coisa nos ouvidos dele, que saiu, sem nenhuma despedida, e. coincidentemente, a jovem se retirou também.

No dia seguinte aconteceu o rompimento: ela imaginava que ele saíra com a outra, quando, na verdade, estava tão bêbado que foi direto pra casa e pra cama, curtindo uma grande ressaca, ao se levantar no dia seguinte. Pior: o grande amor morrera ali, numa comemoração festiva, pois ela comunicou que não queria mais saber dele. Depois de algum tempo teve um casamento frustrado e acabou ficando sozinha também, para sempre.

Ele manteve-se solteiro, ignorando as muitas mulheres que surgiram em sua vida, perdendo a chance de um convívio em família, com esposa e filhos. Viveu sempre sozinho, alcançando uma posição profissional, política e social invejável, sempre repetindo que aquele fora o grande amor de sua vida. Por isso jamais foi infiel, jamais pensou em unir-se com outra que não fosse ela, só que ambos jamais voltaram a se relacionar, talvez por orgulho.

Aquele que poderia ter sido um grande amor frustrou-se, se dividiu em dois e jamais se juntou. Foi um caso de fidelidade que perdurou por meses, anos, décadas, até que um dia ele partiu. Deixou a lembrança de um homem bom, correto, amigo... e muito apaixonado.

Quem o conheceu, sabe de quem estou falando.

P.S. - Uma dica: neste 2020 é comemorado seu centenário de nascimento, juntamente com outros dois saltenses famosos: Anselmo Duarte e Ettore Liberalesso.

(Livro “Vagueando” – 2010)

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