CRONICANDO
Minha convivência com Ettore
Neste final de março, quando se comemora o centenário de nascimento de Ettore Liberalesso, me vejo na obrigação, como seu amigo de muitos anos, de relembrar a nossa convivência, que durou mais de 50 anos. Começou em 1962, quando eu, mocinho imberbe, dava meus primeiros passos no jornalismo e fui designado pelo jornal O Liberal para fazer a cobertura da chegada de Anselmo Duarte a Salto, depois de ter ganhado a Palma de Ouro, em Cannes. Ao chegar ao Hotel Saturno, que funcionava no prédio hoje ocupado pelo Conservatório Municipal, o cineasta se colocou à disposição da imprensa presente para uma entrevista e lá fui eu, tremendo de medo, para uma saleta, juntamente com Ettore Liberalesso, que representava O Trabalhador, a fim de tomar suas declarações. Foi meu debut como entrevistador, enquanto o Ettore já tinha experiência, pois militava há vários anos naquele que era conhecido como “jornal da igreja”.
Voltei a manter contatos, desta feita semanais, com o historiador quando Josias Costa Pinto assumiu a Prefeitura, em 1973. Todas as quartas-feiras nós nos dirigíamos até o prédio da Rua 9 de Julho, onde o prefeito revelava seus planos, justificava atitudes tomadas, enfim abordava diversos assuntos.
Essas reuniões semanais prosseguiram no segundo governo de Jesuíno Ruy, mas foram paralisadas a partir da administração do prefeito Eugênio Coltro, que me confessou ficar irritado com certas perguntas feitas pelo Ettore, que fazia o papel de jornalista cri-cri, aquele que faz perguntas indesejadas. Voltaram a acontecer no terceiro governo de Jesuíno, nos dois de Pilzio e no de João Guido Conti. Meu relacionamento com Ettore nessa época pode ser considerado até meio desrespeitoso, pois brincava muito com ele, principalmente quando ele retirava do bolso uma relação de assuntos, alguns ultrapassados. Brincando, eu dizia que Ettore queria saber sobre a Estrada de Ferro Sorocabana, sobre a Light, Cia. Paulista de Força e Luz e sobre outras companhias que não mais existiam ou tinham mudado de nome, e ele aceitava numa boa, não deixando de devolver alguns impropérios de categoria categoria leve.
Independente dos nossos encontros das quartas-feiras, também nos relacionávamos nos eventos realizados na cidade, como em vários almoços do Rotary Club, promovidos pela Prefeitura, eventos políticos, etc., isso já na época do Taperá. Sentávamos quase sempre juntos e, como O Trabalhador não tinha fotógrafo, eu cedia algumas das fotos que colhia, o que acontecia também com os empréstimos de clichês, de um para outro jornal.
Passei a conviver mais intimamente com Ettore quando ele vinha para o jornal, o que ocorreu durante 20 anos, de 1990 a 2009, para trazer a coluna Arquivo, também às quartas-feiras, por volta de 13 horas. Entrava na minha sala, conversava sobre diversos assuntos, aproveitava para criticar alguma atitude de governantes, reclamava de outras coisas, enfim se mostrava sempre preocupado com a cidade que amava e respeitava e que divulgou durante toda sua vida.
Quando se cogitou na fundação da Academia Saltense de Letras, antes de sua fundação, em junho de 2008, eu não estava disposto a fazer parte, pois defendia a ideia de se criar um Centro Literário ao invés de Academia. Ettore veio um dia até minha sala e praticamente implorou para que eu aceitasse ser um dos fundadores, argumentando que pelo menos permanecesse na ASLe até quando ele deixasse a presidência ou falecesse, o que acabei aceitando. Após sua morte, em 2012, não me afastei, pois já estava muito envolvido com a Academia e até tinha mudado de ideia, defendendo sua existência.
Pouco antes de falecer, Ettore decidiu escrever uma autobriografia, tendo me confessado que não pretendia fazê-lo, mas quando lancei a minha, em 2011, ele a considerou “bem desenvolvida” e acabou mudando de ideia, como me confessou antes do lançamento. Aliás, fui brindado nos últimos dias de vida de Ettore por duas outras manifestações que muito me alegraram e honraram.
A primeira foi a de ele me considerar, juntamente com outros 3 ou 4 amigos, como os de seu maior apreço. Ele fez essa revelação por escrito, em seus últimos dias de vida, quando não conseguia mais falar. A outra foi a dedicatória feita no livro “Ettore, Autobiografia Mesclada à História”, quando me distinguiu com expressões carinhosas, que só utilizava raramente, redigida nos seguintes termos: “Valter, sem palavras para expressar minha gratidão a tudo que juntos vimos ou fizemos, leve um abraço cordial e amigo. 06.07.2012 – Ettore”.
Não é pra se emocionar?