CRONICANDO
Uma “tremenda” entrevista com Anselmo
Em meus mais de 50 anos de jornalismo impresso tive várias conversas com Anselmo Duarte, mas entrevista mesmo só uma. E faz tempo: 1962. Aliás, foi minha estreia como entrevistador e aconteceu quando de sua volta de Cannes, na França, onde tinha ganhado a Palma de Ouro. Naquele dia do mês de outubro ele foi recebido com festa, inicialmente no Porto de Santos, onde desembarcou (naquela época viajava-se da Europa para o Brasil de navio e isso levava mais de 10 dias). Depois em Salto, recebendo homenagens na Câmara, num palanque em praça pública, terminando com um almoço no Hotel Saturno, prédio onde hoje funciona o Conservatório Municipal.
Eu era um iniciante no jornalismo impresso, mas já respondia pela página de esportes e por uma coluna denominada “Falando de Cinema”. Em ambas utilizava pseudônimo, pois achava que pela minha pouca idade ninguém iria me dar crédito. Era o “Thomaz Guimarães” na página de esportes e “Espectador X” na coluna de cinema. Fui designado para fazer a cobertura da chegada de Anselmo a Salto por causa da coluna, enquanto o Odilo Della Paschoa também compareceu, representando a direção de O Liberal.
Quando Anselmo chegou, foi anunciado que ele daria uma entrevista para a imprensa, representada apenas pelo O Liberal e pelo O Trabalhador, após o almoço. O Odilo, que estava acompanhado da esposa, determinou: “Vai você”. Não deu nem pra refutar, pois fui logo encaminhado para uma salinha do hotel, juntamente com o Ettore Liberalesso, representando O Trabalhador. Não sei como saíram as perguntas porque eu tremia de nervosismo, mas Anselmo foi muito gentil, pois deve ter percebido a insegurança de um dos seus entrevistadores, um mocinho que se atrevia a escrever semanalmente sobre cinema, fazendo até críticas antecipadas dos filmes (!). Ettore já era mais experiente e não deve ter sentido os mesmos tremores que senti nessa “tremenda” entrevista.
No sábado seguinte fugi do lugar comum e dei como manchete: “Anselmo promete: ‘Trarei O Pagador de Promessas para Salto em setembro’”. E na minha coluna brinquei com o proprietário do hotel, Jorge Loloian, dizendo que a canja de galinha estava o máximo, o risoto de camarão divino; perguntei se o frango era nacional, pois parecia importado e o pudim fechou o almoço com chave de ouro.
A última pergunta que fiz a Anselmo naquele dia mostrou que o cineasta estava com tudo e não estava prosa (essa é velha, hein?). Quis saber se ele já estava ganhando muito dinheiro com o filme. Sua resposta:
- Não muito, mas daria para comprar a cidade.
Ele não comprou, mas ganhou de presente a admiração de todos nós saltenses.