CRONICANDO
Música eleitoral vingativa
Nestes dias de isolamento pelo coronavírus, tem os que se distraem com filmes, tem aqueles que preferem a leitura de livros, os que trocam mensagens pelo WhatsApp, os que recorrem ao Youtube, os que apelam para as músicas a fim de passar o tempo e os que aproveitam para bater papo com parentes e amigos. Num desses bate-papos com parentes, com idades um pouco menos avançadas que as nossas – minha e de minha esposa - na semana passada, estávamos nos lembrando das campanhas políticas de antigamente, que tinham um sabor diferente das de hoje. Lembramo-nos do “rolo compressor” do “Chinchino”, do desfile das tochas do candidato a prefeito Mário Dotta, dos comícios, uma grande diversão da época e de outras coisas relacionadas às disputas eleitorais.
A certa altura da conversa surgiram lembranças de trechos de músicas dessas campanhas, que ficaram gravadas nas memórias dos mais antigos, como “a água lava tudo” do “Chinchino”, a “água vem do ribeirão” do Hélio Steffen e outras. Seguiam o exemplo de músicas criadas na esfera nacional, que ficaram famosas, como a do presidente Getúlio Vargas: “Bota o retrato do velho, minha gente, bota no mesmo lugar, o sorriso do velhinho faz a gente trabalhar”); e a do Jânio Quadros: “Varre, varre, vassourinha, varre, varre a bandalheira, o povo está cansado de sofrer dessa maneira”.
Em Salto ficaram famosas duas músicas na época em que Vicente Scivittaro, o “Chinchino”, como era conhecido, disputava as eleições. A primeira foi em sua campanha em 1951, quando ele explorava o fato de ter melhorado o abastecimento de água na cidade: “Você notou como estou tão diferente? A água, lava, lava, lava tudo, a água só não lava a língua dessa gente”. Na campanha seguinte, quando ele apoiou Hélio Steffen para prefeito, rebatendo e até aceitando as insinuações de que seu candidato apreciava uma boa caipirinha, surgiram estes versos, ainda aproveitando as medidas tomadas para melhorar o abastecimento de água com a nova tubulação vinda da Fazenda Conceição, que até hoje serve Salto: “Você pensa que cachaça é água? Cachaça não é água, não. Cachaça vem do alambique, a água vem do ribeirão”.
Depois, quando Hélio rompeu com “Chinchino”, essas músicas foram para o arquivo. Ocorreu, então, o aproveitamento de outra, para uma vingança eleitoral: “Chinchino” mandava tocar, antes e depois do início dos seus comícios, à exaustão, um disco 78 rotações, com música de Lupicínio Rodrigues, interpretada por Linda Batista, que ele considerava retratar fielmente a situação entre os dois, depois do rompimento, pois se encaixava perfeitamente a uma cena que poderia estar ocorrendo num bar da cidade:
“Eu gostei tanto, tanto quando me contaram, que lhe viram chorando e bebendo na mesa de um bar. E que quando os amigos do peito por mim perguntaram, um soluço cortou sua voz e não lhe deixou falar. Mas eu gostei tanto quando me contaram, que tive mesmo que fazer esforço pra ninguém notar. – O remorso talvez seja a causa do seu desespero, você deve estar bem consciente do que praticou, ao me fazer passar essa vergonha com meus companheiros. E a vergonha foi a herança maior que meu pai me deixou. Mas enquanto houver força em meu peito eu não quero mais nada. Só vingança, vingança, vingança, aos santos clamar. Você há de rolar como as pedras que rolam na estrada, sem ter nunca um cantinho de seu pra poder descansar”.
Eu, um garotinho na época, que hoje não consigo gravar uma frase das músicas atuais de Luan Santana e de outros cantores que ferem meus ouvidos, ia com meu pai aos comícios e guardei na memória aquela letra de música, ajudado agora pelo Google. Ela me faz lembrar dos comícios de antigamente, quando os xingos eram presença indispensável nos discursos. No caso em tela, no entanto, os xingos foram considerados insuficientes, por isso “Chinchino” se valeu dos versos de Lupiscínio, para expressar sua terrível dor de cotovelo na execução de sua vingança musical.