CRONICANDO
- Valter Lenzi
- 1 de jun. de 2020
- 3 min de leitura
Quando a vida era bela...
Nestes tempos de pandemia é bom lembrar períodos de nossa existência, quando achávamos que a vida era bela. Cada um de nós vai se recordar de um período: para os com mais idade (como é meu caso), de um tempo mais antigo; para outros com menos idade, de um período mais recente. Por ter passado por mais primaveras e invernos, vou mais fundo, para uma época em que tudo era muito diferente, porém a gente tinha liberdade de ir e vir, hoje provisoriamente suspensa pelo coronavírus.
Até o início da década de 1960 não se tinha a televisão para nos distrair ou fazer o tempo passar, pois os poucos aparelhos que existiam só nos ofereciam chuviscos e chiados; ouvíamos programas e até novelas naqueles aparelhões de rádio; não havia shoppings, roupas e sapatos eram adquiridos em lojas da cidade, que usavam o fiado para atrair a freguesia; comia-se arroz e feijão todo dia, com linguiça frita, carne de porco e carne de vaca que exigia bons dentes; aos domingos era infalível a macarronada feita em casa pela “mamma”; carro era raridade, contava-se nos dedos os que existiam na cidade e todos eles eram importados; viagens para São Paulo, só de trem, com duração de 4 horas e uma baldeação, em Itaici ou Mairinque.
Mas a vida era bela. Faltava dinheiro, mas o pouco que as famílias tinham era bem aplicado e controlado pelos pais pra durar pelo menos até o fim do mês. E durava. Havia calor humano entre as pessoas, prezava-se as amizades, havia um relacionamento respeitoso e afável entre elas, principalmente com as mais velhas. Era a época do bate-papo nas esquinas ou em frente às residências, para onde as senhoras levavam suas cadeiras e a conversa não passava das 22 horas, que era uma espécie de ......... não oficializado. Era também o horário limite para os namorados. Supermercado nem pensar, fazia-se as compras em armazéns, nos quais o pagamento à vista não era exigido, mas tínha-se que levar as cadernetas, onde as compras eram anotadas (e a quitação feita religiosamente no dia 10, quando as indústrias faziam o pagamento aos empregados). Uma diversão imperdível às vésperas dos pleitos municipais eram os comícios, que fervilhavam e às vezes terminavam em passeatas com o “rolo compressor” de um lado, tochas de outro. Diversões só o futebol aos domingos e as sessões cinematográficas nos 7 dias da semana. Chegamos a ter 3 cinemas e todos eles lotavam no sábado e no domingo, formando-se grandes filas, principalmente para assistir aos filmes épicos, como “Ben Hur”, “Spartacus” e outros. De vez em quando era armado um circo na praça principal, onde os palhaços provocavam o riso e o público se emocionava com peças como “O Ébrio”. E uma vez por ano a aguardada Festa do Salto acontecia, nas quais o cavalinho era empurrado por meninos com pés descalços, que trocavam a tarefa por algumas voltas de graça. Comprava-se roupas nas barracas armadas no recinto, tomava-se vinho de São Roque e se deliciava com pastéis quentinhos, além de se tentar a sorte nas barracas da igreja.
Era uma época em que Salto dormia cedo e se levantava de madrugada, num tempo em que os apitos das fábricas tinham o poder de acordar, convocar, proibir e liberar, fazendo hora extra na noite de 31 de dezembro para 1º de janeiro, quando apitavam por 5 minutos. O dinheiro era pouco, as diversões idem. Trabalhava-se de segunda a sábado e às vezes até aos domingos, mas as pessoas eram felizes com o pouco que tinham.
Para uma grande maioria a vida era bela. Jamais imaginavam que ela seria dura, perigosa, triste, como nos dias pelos quais passamos. O jeito então, é recordar, transportar-se espiritualmente para outros tempos e torcer para que o futuro não nos reserve dias ainda piores do que aqueles pelos quais passamos.