CRONICANDO
Aguardando a última viagem
Infelizmente, nesse período de pandemia, o que mais nos chateia é tomar conhecimento, todos os dias, do aumento de número de mortes pela Covid-19, que se aproxima celeremente dos 50 mil no país. Os noticiários da TV, principalmente os da Globo, assim como os jornais de grande circulação, mostram corpos saindo dos hospitais totalmente cobertos, em direção aos cemitérios, onde centenas de covas estão sendo abertas, mostrando ainda que os sepultamentos são feitos com um número reduzido de pessoas da família. Isso tudo é muito triste e nos faz imaginar situações que todos estão arriscados a viver, se o coronavírus não for debelado de vez, o que, infelizmente, deve demorar.
Falei sobre vida e morte numa crônica que escrevi em 2006 e que faz parte das publicadas no livro “Croniquetas” do mesmo ano. Num dos parágrafos, ao me referir à morte, escrevi que certa feita, quando do meu aniversário, recebi uma mensagem de congratulações da funerária da cidade, a qual era, na verdade, lúgubre. Dizia que no dia em que eu estava comemorando meu aniversário, “a data mais importante” da minha vida, deveria lembrar-me que “a felicidade é algo que jamais teremos no futuro, pois ela sempre fará parte do nosso passado”. Evidentemente discordei e a funerária até concordou que não era apropriada uma mensagem desse tipo num dia que poderia ser de festa. Hoje essa mensagem poderia até fazer sentido, se levarmos em conta que a felicidade ficou no passado.
Uma outra crônica, no mesmo livro, falava sobre “a última estação”, aquela em que muitos idosos estão, em suas casas ou em casas de repouso, nas quais, com suas memórias eclipsadas, alguns não têm noção exata onde se encontram. Aguardam a condução que os levará para um lugar em que os cépticos não sabem exatamente como será e os crentes acreditam firmemente que lá é a morada de Deus, onde todos terão que acertar suas contas. No entanto, o melhor mesmo é não nos precipitarmos. Se tivermos que partir um dia, que não seja agora, conduzidos por um vírus matador, que tem feito vítimas sem dó nem piedade, de todas as idades, pois isso significará que perdemos uma batalha da qual poderemos perfeitamente nos safar, se formos suficientemente espertos.
Dependendo do nosso comportamento, tanto poderemos ouvir dos alto-falantes da estação: “Em virtude de problemas técnicos a viagem fica adiada para uma futura data”. Ou simplesmente “Boa viagem. Adeus”.