CRONICANDO
Zégas, o entalhador
No início da década de 1980, de vez em quando aparecia na redação do Taperá (que na época funcionava na Rua 23 de Maio), um jovem com pouco mais de 20 anos, pedindo pra publicar uma foto dele ao lado de um quadro de sua autoria, como entalhador. Pra não desestimular aquele rapaz que se iniciava no mundo das artes, pois via potencial nele, eu publicava, com a esperança de que um dia ele pudesse se destacar em sua atividade, como outros saltenses que já brilhavam no cenário nacional. Na semana seguinte ele passava pra agradecer, naquela sua modéstia característica.
Um dia ele me contou (e publiquei na primeira página), como se iniciara nessa arte. Foi passar uns dias em Ubatuba e perdeu todos os seus documentos, que na época eram difíceis de revalidar. Demonstrou essa preocupação para um homem de nome Pio, que trabalhava na praia como entalhador. O saltense se interessou pelo trabalho e achou-se capaz de fazer o mesmo trabalho dele em madeira. Prometeu, inclusive, fazer um quadro e dá-lo de presente ao entalhador, se ele o orientasse de como entalhar o rosto de uma jovem, se Santo Antonio, de quem era devoto, o ajudasse a encontrar os seus documentos. Terminou o quadro em dois dias e, coincidência ou não, seus documentos apareceram como por encanto.
Voltando a Salto, passou a fazer entalhes, dedicando-se a reproduzir cavalos, animais de sua preferência, tendo vendido muitos, inclusive para o exterior, além de participar de exposições em Salto, região e até na capital. Certa noite do mês de dezembro, encontrou-se com dois amigos portofelicenses na Praça Padre Miguel, de Itu, e bateram papo até quase 3 horas da madrugada, quando decidiram ir embora. Chegaram, então, 4 bandidos, armados, que exigiram a entrega do carro com que os dois amigos de Porto Feliz tinham se dirigido a Itu. Um deles tentou reagir e levou um tiro, outro disparo acertou Zégas, que foi colocado dentro do carro e levado pelos assaltantes em direção a Sorocaba. Cerca de uma hora depois o corpo do saltense foi encontrado nas imediações de Pirapitingui com 2 tiros na cabeça.
A cidade perdia em 1926 um promissor artista, com 26 anos de idade, que já tivera uma vida intensa, inclusive na arte que escolheu, e que poderia alcançar um sucesso ainda maior, colocando-se ao lado de outros artistas plásticos que elevaram o nome de nossa cidade, como Flávio Pretti, Lubra, Lydia Dotta e outros.
Hoje ninguém sabe ou não se lembra do rapaz humilde, que mostrava sua habilidade com seus formões, realizando trabalhos dignos de admiração. Estou contando essa história no meu blog, assim como de outras pessoas de Salto que se destacaram em alguma atividade. Já são mais de 120 biografias, que farão parte de um livro, que pretendo editar assim que a Covid for embora. Isso servirá para que talentos como Zégas não sejam olvidados e sejam mostrados para aqueles que nunca ouviram falar dele.