CRONICANDO
Benzimentos e remédios caseiros
Diariamente recebo dezenas de e-mails, que deleto sem dó nem piedade. Nesta semana recebi um que a princípio não deletei, sob o título “Benzer, rezar e curar: o legado da ancestralidade”, de uma bióloga e terapeuta holística. Ela lançou um livro “desvendando mitos e verdades sobre benzimento” e isso me levou a lembrar dos que faziam benzimentos na cidade, dentre eles o que mais se destacou: Antônio Boaventura, conhecido como “Antônio Café”.
Recentemente publiquei sua biografia no meu blog, quando destaquei seu trabalho para curar a bronquite de muitos, doença que a medicina considera como incurável, mas Antonio Café contrariava essa opinião, curando muita gente, inclusive pessoas cultas, como advogados, professores, dentistas e até membros do Poder Judiciário, como um juiz da Corregedoria Geral da Justiça, de São Paulo. Ele os levava até uma figueira e depois do benzimento recomendava que os atendidos não poderiam comer figo e fígado, assim como não olhar pra trás após deixarem o local do benzimento. Nada cobrava, mas as pessoas beneficiadas faziam questão de lhe dar uma gratificação, o que permitiu que ele adquirisse um sítio, que vendeu, comprando 5 casas na cidade. Processado por prática ilegal da medicina, foi absolvido, tantos eram os benefícios que proporcionava.
Há 50 ou 60 anos havia na cidade diversos benzedores e principalmente benzedoras, que resolviam os mais diversos problemas que afetavam as pessoas. Tinha um casal, por exemplo, que morava no final da Rua 23 de Maio (casa da Brasital) que curava caxumba, fazia andar crianças que demoravam para ficar em pé, torcicolo, colocava barbante quando a pessoa torcia o pé, problema que se resolvia quando o barbante quebrava, etc. Aliás, segundo o Roberto Castro, conhecido como “Major”, certa feita uma benzedeira recebeu em sua casa um rapaz que havia torcido o pé, ao qual perguntou: “Trouxe o barbante?”. Ele pareceu não entender: “Barbante?”. “Sim, barbante - respondeu ela – além de benzer ainda tenho que dar o barbante?”.
Havia também as que benziam quebranto para curar criança assustada. No caso do quebranto, elas pingavam gotas de óleo de cozinha, num prato com água. Se elas se dissolvessem, a criança estava com quebrando, mas logo eram curadas, para alegria das mães. Também curavam lombriga, verme que se instalava na barriga das crianças, as quais eram benzidas passando uma faca sobre sua barriga. Um outro procedimento para curar criança assustada usava pólvora, que era colocada na lenha dos fogões, que explodia quando a pólvora era mexida com uma varinha, assustando a criança e curando-a. Pra curar dor de cabeça colocava-se fatias de batata na testa do “paciente”, as quais chegavam ao estado de pré-fritura.
Eram receitados pelos benzedores remédios caseiros. Lembro-me de um que morava também no quarteirão final da Rua 23 de Maio, um homem baixinho, vestido sempre de branco. Quando eu tinha algum problema, meu pai me levava até ele, que dava uma olhada, fazia um preparado numa garrafinha, que dava para meu pai, recomendando para que eu tomasse três ou quatro doses por dia.
Falando em garrafinha, certo dia contei para um frequentador, como eu, da sauna da Saltense, conhecido por “Gaúcho” que tinha muitas dores na costa. Dias depois ele trouxe uma garrafinha de arnica, um tipo de erva que até hoje é usada. Passei várias vezes nas costas e, na semana seguinte, quando me encontrei com ele, fui indagado se a arnica tinha resolvido meu problema. Brincando, mas sério, respondi: “Melhorou a dor nas costas, mas desde que passei a tomar meio copo por dia surgiu uma dor terrível no estômago”. Ele quase caiu de costas: “Meio copo por dia! Era pra passar a arnica nas costas, não pra tomar!”.
Depois desmenti, mas até hoje, quando encontro com ele, “Gaúcho” pergunta, rindo: “Tem tomado a arnica que lhe receitei?”.