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CRONICANDO

A importância de “Cabecinha” no meu destino


Ele ganhou o apelido de “Cabecinha” em Salto, sabe-se lá por que, quando veio para cá, em 1951, para dirigir o jornal O Liberal, antecessor do Taperá, Arrumou muita confusão na área política, pois o jornal combatia o prefeito da época, Vicente Scivittaro (“Chinchino”), que tentou comprá-lo por 100 mil cruzeiros (ele exigiu um cheque para denunciá-lo), contratou um correligionário para dar-lhe uma surra (ameaça não concretizada, porque ele tinha também seus guarda-costas) e falavam até em matá-lo. Ele ficou em Salto até 1954, quando foi trabalhar como coordenador do “Repórter Esso”, o mais famoso noticiário do rádio, na época, no qual ficou 11 anos. Depois foi para a Editora Abril, onde chegou a diretor, ali permanecendo outros 28 anos. Se aposentou e foi morar em São Paulo.

José Alcione Pereira, o “Cabecinha” foi importante no meu destino porque foi nele em quem me inspirei para seguir carreira no jornalismo. Tinha 11 anos e frequentava diariamente a casa do meu tio Ferdinando Pecchio, na esquina da Avenida D. Pedro II com a Rua Itapiru, onde hoje está instalada a Cavriani. Numa manhã, acompanhava meu tio em seus trabalhos, quando alguém bateu no portão da Itapiru. Quem bateu não esperou que atendessem, abriu o portão e ingressou no quintal da casa, se apresentando como repórter de O Liberal, dizendo que queria entrevistar o morador daquele imóvel sobre a cobrança da “taxa de calçamento” estabelecida pelo prefeito “Chinchino”. Obviamente, como “Cabecinha” esperava, meu tio criticou a medida e, sentado num degrau de um espaço aberto, anotava as palavras do entrevistado num caderninho. Eu observava tudo com interesse e fiquei impressionado com a cena. Ela despertou em mim a vontade de um dia ser como “Cabecinha”, jornalista.

Seu nome ficou gravado em minha memória e quando pesquisava para o livro “120 Anos da Imprensa Saltense”, não poderia deixar de entrevistá-lo, pois fora importante no jornalismo local. Entrei em contato com sua filha Marta, que me forneceu uma foto dele, na época em que veio a Salto, além de outras informações. Coloquei-o entre os que se destacaram nos 120 anos da imprensa saltense, a qual realmente revolucionou, com métodos modernos de reportagens. Algum tempo depois ele veio morar em Salto com sua 2ª esposa, Marlene (a primeira foi a professora saltense Zuleika Morato, com a qual teve 2 filhas) e nos aproximamos bastante, conversando e nos visitando periodicamente. Até indiquei-o como membro da Academia Saltense de Letras, a qual frequentava sempre que podia, mesmo quando teve que voltar a morar em São Paulo.

Aos 92 anos ele faleceu na semana passada. Até pouco tempo ele ligava para o jornal, a fim de conversar com o Jorge, que também se tornou grande amigo, e comigo, com aquela voz característica de “cabra-da-peste”, influenciada pelos anos em que morou no Rio de Janeiro. Sentimos como se um parente tivesse nos deixado, mas infelizmente eu, Jorge e seus amigos de Salto, não pudemos levar-lhe o último adeus, impedidos pelo coronavírus.

Não deu, mas o que vale é a lembrança que ele deixou, a carreira rica de sucessos que teve. E principalmente foi importante, para mim, porque me indicou o caminho na imprensa a seguir, influenciando-me a fazer como ele. Aquela cena das anotações no caderninho ficou gravada na minha memória. Ele certamente nem notou a presença ali, ao seu lado, de um menino observador, sequer imaginando que um dia iríamos nos tornar amigos. Pude, então, lhe contar o que acontecera muitos anos atrás, quando ele anotava num caderninho que não mais existe, as declarações do meu tio. Enquanto isso, eu registrava na memória um episódio que marcou minha vida e que o tempo não apagou.


FOTO DO CABECINHA (120 Anos da Imprensa, página 21)


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