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CRONICANDO

Um dia como outro qualquer em 1950

Quem não tinha despertador era acordado pelos apitos da Brasital, que não falhavam. Das casas construídas pela fábrica nos 4 quarteirões entre a 9 de Julho, Barão do Rio Branco, Itapiru e Avenida D. Pedro II, saíam apressados os que iam buscar o pão numa das padarias da cidade (da Conti, Cooperativa, Estrela, Aliança, Primavera e Piaia, todas localizadas no centro), enquanto as mulheres preparavam o café. Os leiteiros deixavam os litros do leite in natura nas portas ou janelas e também os padeiros agiam da mesma forma em residências cujos proprietários assim desejassem. (Na foto, a carrocinha da Padaria Aliança com Mario Betiol).

A partir das 6h45, depois de tomar café, os empregados da Brasital iniciavam a caminhada em direção à fábrica, vindos de diversos pontos da cidade. Entravam pelo grande portão, que começava a se fechar 1 ou 2 minutos antes do relógio da indústria marcar 7 horas. Quem chegasse 1 minuto depois tinha que ter uma boa conversa para convencer o Antonio Porteiro a permitir sua entrada. Geralmente não deixava. Na Têxtil e na Fábrica de Papel as cenas eram parecidas.

Das 7 horas em diante o movimento na cidade era pequeno, mas por volta das 8 horas ele crescia causando burburinho, com a abertura dos armazéns do Teixeira-Milioni, do Ferrari, da Casa Santana, Cooperativa, e outros, que começavam a receber os fregueses. Em praticamente todos eles vendia-se fiado: as compras eram anotadas numa caderneta e no dia 10 do mês seguinte, religiosamente, todos pagavam a conta e recebiam, como brinde, um saquinho de balas ou de bolachas.

Os poucos carros que existiam na cidade abasteciam nos postos de combustíveis do Steffen ou do Mário Dotta, um localizado próximo ao outro, no início da Rua 9 de Julho. A venda de frutas, legumes e verduras era feita nas ruas, em carrocinhas empurradas pelos vendedores. Também se comprava bucho, fígado e outros miúdos de vaca dos que levavam suas carroças para diversos pontos de Salto, assim como a carrocinha que vendia melado, servido em conchas (“alguém achou minha dentadura no melado?”, teria perguntado o vendedor certa vez).

As lojas de roupas, como as da Francisca, do Panossian (Casa Armênia) do Rossi, do Mário Baldi e outras recebiam alguns fregueses, assim como as lojas de sapato do Bravo (Sapataria Americana) e do Nearco Lui, mas o movimento maior mesmo era aos sábados. Como havia muitas carroças na cidade, tínhamos os ferreiros, que colocavam as ferraduras nos animais, dentre eles o Casale e o Gildo Calçavara. Além deles existiam os que vendiam ou consertavam guarda-chuvas (Toninho Effori, que tinha uma fábrica de guarda-chuvas, era um deles), e os que lidavam com panelas e outros utensílios domésticos. Quase na esquina da 23 de Maio com a Avenida D. Pedro II funcionava uma banca de jogo de bicho, na qual se apostava do primeiro ao quinto e quem tinha sorte ganhava alguns trocados, antes que a prática passasse a ser considerada como contravenção.

Era grande o número de alfaiates: Mário Effori, os irmãos Malvezi, Eduardo Castellari, Carlito Lammoglia, Luiz e José Zanuni, Gentil Barrios, Júlio Frias, Pinheiro e vários outros, que aos poucos foram abandonando a profissão com a concorrência da venda de ternos prontos. Andava-se muito a pé, mas quando se pretendia se deslocar para mais longe ou para outras cidades, apelava-se para os motoristas de táxi. Os mais conhecidos eram o Pacheco, Francisco Morgilo, seu filho Morgilinho, Florindo Miloco, João Ramos e os filhos Zito e More (Amority), Quaim (como chamavam o Quaglino, que por troça diziam parar para dormir no Conte quando tinha que fazer uma viagem para Itu, pois ele era uma pessoa muito sossegada). Eles levavam as pessoas para Pirapora, Pirapitingui (onde havia muitos saltenses internados) e até para São Paulo, pela Estrada Velha, passando por Cabreúva e Santana do Parnaíba.

Muitos estabelecimentos fechavam às 11 horas, inadiável horário de almoço, e só reabriam às 12h30 ou 13 horas. A tarde era tão modorrenta como as manhãs e às 6 horas, quando os sinos da matriz badalavam anunciando a Hora do Angelus, muitos aparelhos de rádio estavam ligados na Rádio Tamoio do Rio que apresentava a “Ave Maria”, com Júlio Lousada.

À noite quem não saia de casa ouvia a novela “O direito de nascer” no rádio ou os programas humorísticos, como o “Edifício Balança, mas não cai”, com Paulo Gracindo (primo rico) e Brandão Filho (primo pobre). Os poucos que saíam de casa, iam a um dos dois cinemas: Rui Barbosa e Verdi, cujas sessões terminavam por volta de 21h30 ou 22 horas. Era o momento de se recolher, das moçoilas darem adeus aos namorados, (sem beijos de despedida), voltando pra casa, pois o horário-limite das 22 horas não costumava ser desobedecido. Alguns poucos bares ainda permaneciam abertos, como o do Olavo de Arruda Mello, na 9 de Julho, onde a gente tomava “o refresquinho que eu faço” ao invés da Coca-Cola ou do guaraná, por exigência do dono. Raros fregueses batiam papo até o Olavo ameaçar baixar as portas, após o que seguiam pra casa pelas ruas da cidade silenciosa e deserta, que só oferecia algum barulho para quem morava perto do centro velho, embalados pelo som dos teares funcionando no terceiro turno da Brasital ou pelo rumorejar da queda d’água.

Os dias eram sempre iguais, por isso tinha muitos que gostariam de sair da rotina, imitando Scarllet O’Hara, no final de “E o vento levou...”, torcendo para que “amanhã fosse um novo dia”...

Geralmente não eram atendidos.

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