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CRONICANDO

“Mingão Farveste”



Escreve-se e pronuncia-se assim mesmo: “farveste” e não “far west”, em inglês, ou “faroeste”, aportuguesado. “Farveste” era a linguagem usada pela molecada dos anos 50, que adorava os filmes e os gibis (histórias em quadrinhos) dos heróis do West americano. Os gibis passavam de mão em mão e alguns eram famosos, como os do Zorro, Tom Mix, Cavaleiro Negro, Hopalong Cassidy, Buffalo Bill, Roy Rogers, etc. Um garoto que se fanatizou por essas histórias residia na Avenida D. Pedro II, quase esquina com a Itapiru, cujo apelido era “Mingão Farveste” exatamente por isso. Antonio Paviani (foto), seu nome próprio, era um especialista no assunto e seus pais o apoiavam, comprando armas de brinquedo, chapéus e até vestimenta usada pelos “cow-boys” americanos.

Fui um grande amigo seu, porque me interessavam os gibis que ele emprestava, os quais eu nem sempre devolvia. Repassava para outros meninos que também não me devolviam. Eu desrespeitava os conselhos da minha mãe, que me recomendava não manter contato com o “Mingão” pra não ficar doido como ele, que estaria afetado pelas histórias dos gibis, que procurava imitar.

Anos depois, já com idade para frequentar os bailes do Clube Ideal e da Cooperativa Operária Saltense, recorri a “Mingão”, já então sendo chamado de “Toninho”, apesar dos seus quase 2 metros de altura, para que ele me ensinasse a dançar. Assim como outros rapazes, me dirigia até sua casa, ele ligava uma vitrola e punha os discos que faziam sucesso naquela época. Muitos se tornaram bons dançarinos (o que não foi meu caso), que participavam também de bailinhos que ele promovia em sua casa, que contavam com a participação de sua prima Neide (campeã de vôlei pela equipe feminina de Salto) e outras garotas da vizinhança.

Com o tempo, cada um de nós seguiu por um caminho diferente. Ele “curou-se” do fanatismo pelos faroestes e trabalhou em diversos locais, sempre demonstrando capacidade e correção. Sei que foi funcionário da Fábrica de Papel e depois trabalhou na Estação de Tratamento de Água da Prefeitura, no Parque Bela Vista. Passei, então, a encontrar-me com ele, pois passava todo dia em frente de minha casa, vindo do trabalho. Eram conversas rápidas, geralmente relembrando os velhos tempos.

Ele se aposentou e nossos contatos passaram a ser esparsos, mas nos últimos tempos eu me encontrava com ele aos sábados, quando eu descia pela Rua Itapiru, fazendo caminhada, e ele subia, vindo do Supermercado São Roque, trazendo numa das mãos a sacola de compras e na outra o jornal Taperá, que comprava numa banca em frente ao supermercado. Lembro-me da última conversa: ele perguntou minha idade, só pra confirmar, pois sabia que éramos contemporâneos, se eu estava bem, como ia o jornal, etc. “Vamos tocando a vida, né?” foi sua última frase e seguiu em direção a sua casa.

Na semana passada fiquei sabendo do seu falecimento. Vieram-me à mente os tempos em que éramos amigos e, juntamente com outros meninos das imediações, passávamos o tempo circulando e brincando na avenida e nas ruas poeirentas das proximidades das casas da Brasital, onde morávamos.

Em seus últimos momentos de vida, se fosse possível, certamente gostaria de pedir ajuda aos heróis dos quadrinhos que ele tanto admirou e amou. Montaria na garupa de um deles e seguiria feliz em direção à eternidade, com a certeza de que iria encontrar no novo patamar cavaleiros que marcaram sua existência e que – dadas as circunstâncias da vida – não pôde imitar, embora desejasse.

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