CRONICANDO
O fino humor do senhor de 92 anos
Com referência ainda àquele senhor de 92 anos a quem me referi na crônica da semana passada, merece um capítulo especial sua atuação também no humor, não só no jornal O Liberal, mas também no Taperá. Fazer humor num jornal, revista ou livro não é nada fácil, sendo necessário ter muita criatividade e talento, dom que um redator comum nem sempre tem. Ele pode escrever com clareza, utilizar argumentos convincentes, despertar atenção e satisfazer o leitor, mas esses atributos podem não ter o poder de provocar o riso. O humor feito em palcos ou numa roda de amigos enseja ao humorista fazer caretas e trejeitos ou falar de uma forma engraçada que faz rir. Nos trabalhos escritos é diferente.
Quando era o faz-tudo em O Liberal, o senhor que chegou aos 92 anos e acha que está às vésperas da partida (há controvérsias), utilizou, além do pseudônimo M. Hamilton, diversos outros para dar a impressão de que o jornal contava com vários redatores, mas às vezes se resumia a ele próprio. Um outro pseudônimo que ficou famoso foi Nasser, que ele utilizava nos comentários e reportagens esportivas. Escrevia sobre tudo, tanto crônicas como críticas de cinema e de teatro, numa época em que contávamos com vários grupos teatrais, além de comentários políticos, notícias sociais, criava palavras cruzadas para os leitores resolverem, enfim era polivalente na sua atividade. Ainda em O Liberal criou a coluna “100 Antídotos”, usando o pseudônimo Kass Kavel. Destilava veneno, mas utilizando um humor fino e inteligente.
Na primeira publicação dessa coluna, em 1958, ele alertava: “Uma seção que pode ser lida pelos devidamente imunizados com a vacina anti-rábica”, ou seja, contra a raiva. Algumas frases tipo “curtas e grossas” do 1º e outros números: “Aquele vereador decidiu fazer algo pelo município: vai pedir demissão” -- “Em Salto os votos dos analfabetos é coisa velha: pelo menos alguns de vez em quando são eleitos” – Água: líquido que só em Salto não é inodoro e incolor” – “Negócio é um meio de vida, os amigos são o fim”. Mesmo quando mudou-se para Jundiaí o senhor de 92 anos continuou escrevendo os “100 Antídotos”, prosseguindo até o final de 1959, mas sem a mesma frequência, pois morando numa outra cidade não tinha pleno conhecimento do que ocorria em Salto.
Quando surgiu o Taperá como revista, em 1964, convidei-o a escrever uma coluna de humor e surgiu logo no primeiro número “O Corvo”, na qual ele utilizava o pseudônimo King Vulture (Urubu-Rei). Também não se manteve por muito tempo porque tinha outras ocupações, mas de vez em quando enviava uma crônica que permitia aos leitores saborear seu estilo atraente, limpo e sugestivo. Ele manteve por algum tempo uma coluna sobre Música Popular, até que achou que era muito difícil e trabalhoso o esforço que fazia em virtude do adiantado da idade. No entanto, indicou um substituto, Eninho Scalet, que ele considera, humildemente, melhor que ele e que de fato é mesmo muito bom na tarefa que executa, tem os mesmos gostos em se tratando de música popular, da qual é profundo conhecedor, escreve muito bem e é um vizinho que todos gostariam de ter. Pode não ser melhor, mas chega perto.
O homem de 92 anos pediu um necrológio, mas como merece muito mais que isso, achei melhor complementar, mostrando outras de suas facetas nos seus muitos anos de atuação, por se tratar de uma figura expressiva e sem paralelo nos mais de 130 anos de existência de nossa imprensa.
Pena que, por sua modéstia, jamais assinou seus trabalhos com seu nome próprio e por isso é praticamente desconhecido por muitos. Mas me sinto na obrigação de revelar agora sua identidade, inclusive com o apelido que medeia seu nome e sobrenome, depois de omiti-la em minha última crônica, para que todos saibam de quem se trata: JOÃO “DOWA” PITTORRI.
(Títulos das duas colunas de humor: 100 ANTÍDOTOS E O CORVO)
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