CRONICANDO
“O senhor que sabe”
Uma da colunas mais lidas do Taperá trata apenas de um assunto todas as semanas: mortes. Sob o título “Falecimentos” ela registra os óbitos ocorridos nos últimos 8 ou 10 dias e não publique pra você ver o que acontece. As pessoas idosas, principalmente, cobram e querem saber por que a relação não foi divulgada, pois para elas é bom tomar conhecimento se alguma pessoa conhecida foi a óbito.
Eu também, que faço parte do time dos pra lá de 60 (no meu caso bem pra lá), sempre dou uma olhadinha na coluna, não só para saber quem embarcou na viagem de ida, gratuita e sem volta, mas também para registrar na semana ou numa futura edição o falecimento de alguém que não passou pela vida em branca nuvem e em plácido repouso adormeceu, como diria o pensador Francisco Otaviano. Traduzindo: de alguém que se destacou em algum setor na vida da sociedade saltense.
Por que essa divagação um tanto fúnebre? É que na semana passada, dando a costumeira olhadinha na relação dos falecimentos, notei a presença de Oswaldo Tocachellis, 86 anos, viúvo. Poucos devem saber quem foi ele, que nos últimos anos residia no Bairro Monte Serrat (Cecap), mas esse nome não era estranho pra mim. Praticamente o esqueci durante anos, mas, como não é comum, logo lembrei-me de quem se trata: alguém que trabalhou na antiga oficina da Rua 23 de Maio dos primeiros anos do Taperá. Ele era tipógrafo, profissão quase extinta como os que dela fizeram parte, e como eu passava boa parte do dia naquele local, tive contato com sua pessoa. Na época e às vezes até atualmente, costumava brincar com funcionários novos, falando algumas palavras ininteligíveis só pra ver a reação deles. A maioria não entendia e o normal era perguntarem “Ahn?”, palavrinha que representa falta de compreensão do que se ouve. Com Tocachellis foi diferente: logo no primeiro dia me dirigi a ele e fiz uma pergunta enrolando a língua. Com ele não teve “Ahn”, pois respondeu prontamente, de uma forma que me desmontou: “O senhor que sabe”.
Lembrando do Tocachellis, recordei-me também de outros personagens que frequentavam aquela oficina caindo aos pedaços, mas que servia para que se pudesse preparar e imprimir primeiro as edições de O Liberal, depois as primeiras do Taperá. Na época em que passei a colaborar com O Liberal, passava quase o dia todo na oficina, juntamente com o Edmur Sala e, como não tínhamos muita coisa pra fazer, nos divertíamos fazendo brincadeiras com o Aldo Coltro e Roquinho, ambos vendedores do jornal aos sábados. João B. Silveira, o “Cavaco”, que era também um gozador, participava das brincadeiras ou se divertia com elas. Tinha ainda o Jésus Líbero, que era mais sério, pai do Valdir Líbero, os meninos que compunham as matérias (Chico Vanucci, Edson Schoba, os irmãos Bergantim, Waine Domingues, Mensato e outros), Ênio Padovani, Cid Pacheco, Roberto Rivieri, Moreno, Enio Zacarias, Valderi, Antonio Foqui, Iezo e alguns que tiveram passagens breves.
Tanto O Liberal como o Taperá eram produzidos “na raça”: pra preparar uma matéria tinha-se que juntar as letrinhas no componidor, montar as páginas, introduzir os tipos que formavam os títulos, juntar os anúncios, enfim era um trabalho pra doidos (ou gente muito dedicada). Diferente dos dias atuais, quando se monta as páginas no computador, sem o risco de sujar as mãos e até a roupa com tinta ou graxa.
A morte de Tocachellis me fez lembrar dessas histórias e dessa gente que, cada um a seu modo, contribuiu para que a imprensa saltense enfrentasse as muitas dificuldades que surgiram naquela época. Imagino um encontro com ele, num patamar etéreo, quando me impelirá a vontade de repetir a brincadeira de muitos anos atrás, fazendo-lhe uma pergunta enrolando a língua, só pra ouvir a resposta que ele certamente vai repetir: “O senhor que sabe”...
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