CRONICANDO
A última sessão da loja de roupas feitas
Marilyn Moore, Ava Gardner, Marlene Dientrich, Elizabeth Taylor, Sophia Loren, Vivian Leigh, Ann Margret e tantas outras atrizes que vestiam roupas de grife, certamente não mais entrariam naquele prédio, como entravam antigamente para se apresentar na tela do Cine São José. É que o local se transformou numa loja de roupas feitas, vendendo mercadorias baratas para as pessoas que não tinham condições de efetuar grandes gastos.
A última sessão de cinema do São José naquele local aconteceu nos últimos dias de dezembro de 1983. O proprietário João de Almeida não aguentou a concorrência com a televisão e aceitou a derrota, depois de alguns meses da sala de espetáculo vazia, ou tomada por aqueles que apreciavam os filmes nacionais eróticos, que se tornaram a credencial para um cinema que marcou época na cidade. Ele, o cinema, viveu um período áureo, quando a chamada 7ª Arte atraía multidões para as sessões, principalmente para as realizadas nos finais de semana. Os filmes novos que eram exibidos em São Paulo só chegavam a Salto cerca de 1 ano e meio ou 2 anos depois e por isso a expectativa era grande. Alguns não aguentavam esperar, iam para a capital para assisti-los e quando voltavam contavam com satisfação cenas de “Bem Hur”, “Os 10 Mandamentos” “Psicose”, “E o Vento Levou” e tantos outros. Quando esses filmes eram exibidos na cidade, formavam-se grandes filas que começavam em frente ao São José e terminavam na Rua 23 de Maio.
A loja de roupas não fez o mesmo sucesso. Aguentou por um tempo, mas a pandemia e a crise financeira que atinge o país e Salto em particular, fizeram o papel de 39 anos atrás quando o cinema encerrou suas atividades. João de Almeida, esteja onde estiver (espera-se que num bom lugar), deve estar decepcionado com mais essa derrota, mas não deveria estar, porque ele, em sua longa trajetória dirigindo salas de espetáculos cinematográficos em Sorocaba e em Salto, contribuiu para alegrar as noites e as matinês dos domingos na cidade. Os casais de namorados e de idosos, que assistiam embevecidos aos filmes “água com açúcar”; as moçoilas que ficavam agitadas quando James Dean, Rock Hudson, Gregory Peck, Burt Lancaster, William Holden e tantos outros apareciam; os rapazes solteiros que ficavam com um olho na tela e outro na plateia para arranjar uma namorada(bota eu aí entre eles, pois foi no São José onde comecei a flertar com minha esposa), toda essa gente passava cerca de 2 horas se deleitando com as imagens projetadas na tela gigante do São José. Ela provocava o riso e o choro, despertava emoções, fazia as pessoas vibrarem ou se revoltarem, batiam palmas para os heróis, abominavam os homens maus e a maioria saia do cinema satisfeita, mesmo naquela noite de muita chuva que eles deixaram os guardas-chuvas na portaria, pois o cinema tinha sido inaugurado recentemente e o seu Almeida não queria que o piso fosse manchado pela água. Na hora de pegar o guarda-chuva de volta, como não tinha nenhuma marcação, os mais espertos escolhiam os mais novos, sobrando os arrebentados para os que dormiram no ponto.
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