CRONICANDO
Lembranças da Era do Rádio
A exposição de aparelhos de rádio antigos no Museu da Cidade despertou em mim lembranças de uma época em que ouvir rádio era uma das únicas distrações que as pessoas tinham, juntamente com o cinema. Parte da minha vida convivi com a Era do Rádio, veículo de comunicação de massa do Brasil, que se iniciou em 1930 e terminou no começo da década de 1960. Quem podia lia jornais, porém quase dois terços da população brasileira era analfabeta, poucos tinham condições de comprar discos e só se ouvia música quando tocada ao vivo.
Nos meus primeiros anos de vida a TV engatinhava e havia duas opções de lazer: sintonizar as emissoras de rádio ou ir a uma das duas ou três salas de espetáculo cinematográfico com que a cidade contava. Ouvir rádio era mais barato, pois não se tinha que pagar nada para acessar as emissoras em ondas curtas, que tinham um som bem melhor. Era uma espécie de FM dos dias atuais e dentre elas predominavam as do Rio de Janeiro, como as rádios Nacional, Tamoio, Tupi e outras menos famosas. As de São Paulo (Bandeirantes, Tupi, Record, Panamericana, Gazeta e outras) abusavam do chiado e por isso todo mundo preferia as ondas curtas cariocas.
Destacavam-se, na época, os programas da Rádio Nacional, como o “César de Alencar”, “Paulo Gracindo” e “Manoel Barcellos”, estes dois últimos durante a semana, nos quais se apresentavam as cantoras Emilinha Borba, Marlene, Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Nora Ney e cantores como Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Orlando Silva, Jorge Goulart e outros. Um cantor famoso, Francisco Alves, o “Rei da Voz”, tinha um programa exclusivo aos domingos, “quando os ponteiros se encontram” (ao meio-dia) como dizia a locutora que se tornou famosa pela frase (Lúcia Helena). Tinha também os programas humorísticos, como a PRK-30, Edifício Balança mas não Cai, com o Primo Pobre (Brandão Filho) e o Primo Rico (Paulo Gracindo) e tantos outros. Na Rádio Tamoio a atração maior era o programa das 6 horas da tarde, com Júlio Gonzaga (que dava conselhos ao som da “Ave Maria”) e na Tupi o Repórter Esso, o Jornal Nacional da época. Tínhamos ainda as rádio-novelas, destacando-se “O Direito de Nascer”, que durou meses (ou anos?) e era acompanhada todas as noites por homens, mulheres e crianças. Até eu, que nunca gostei de novelas, às vezes tinha que acompanhar esse grande sucesso quando toda noite meu pai me levava à casa do meu tio Natale para acompanhar os capítulos. Quase toda noite ambos dormiam sentados durante a radionovela e eu tinha que fazer muito barulho para acordá-los. Quando isso acontecia me faziam perguntas sobre o que tinha acontecido com o personagem principal, Albertinho Limonta, que eu geralmente não sabia responder.
Ouvi jogos da Copa do Mundo de 1954, 1958, 1962 e 1966, pela Rádio Panamericana ou Bandeirantes, a maioria deles com narração de Pedro Luiz ou Fiori Giglioti e comentários de Mário Moraes, num aparelho como esses que estão sendo mostrados na exposição de rádios antigos no Museu, deitado na minha cama de solteiro que ficava embaixo do aparelho. Algumas partidas eu também ouvia a transmissão dos jogos quando ia ao campo da Saltense, nas proximidades do carrinho do Xuxa Pipoqueiro, num rádio que ainda não era de pilha (ele puxava a energia de uma casa próxima) e também acompanhava as partidas na praça principal da cidade, transmitidas pelo serviço de alto-falante. Só a partir de 1970 os jogos passaram a ser transmitidos pela televisão e o rádio perdeu muitos ouvintes.
Das emissoras de rádio de São Paulo minha preferência era pelos noticiosos da Panamericana, que virou Jovem Pan e que hoje perdeu a credibilidade defendendo ardorosamente as besteiras que o presidente Bolsonaro faz. Gostava também dos programas esportivos da Rádio Gazeta e de músicas da Bandeirantes, que inicialmente ouvia no aparelho de rádio de minha casa, até o dia em que comprei um Mitsubishi importado, depois de perder um da mesma marca, na repartição alfandegária, quando voltava de uma viagem ao Paraguai. Esse radinho me acompanhava sempre e foi testemunha dos últimos anos de vida de minha mãe.
O rádio sempre foi um bom companheiro pra muita gente, inclusive pra mim em boa parte da minha vida, inclusive quando servi o Exército. Um amigo descendente de japonês tinha um rádio de galena, que utiliza as propriedades semicondutoras do mineral, e me convidava para ouvir os programas à noite, numa alta torre do antigo prédio do Quartel de Itu. Eram momentos de satisfação, quando sentia, ainda com mais intensidade, as ondas sonoras que o rádio emitia. Ele é o acompanhante sobre o qual temos completo domínio, ligando-o quando queremos ouvi-lo, para preencher nossos momentos de solidão. E oferece-nos também a possibilidade de abaixar o volume ou de desligá-lo quando optamos pelo silêncio, que é artigo raro nos dias que correm.
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