CRONICANDO
Um juiz brincalhão e gozador
A figura do juiz é sempre mantida numa aura de respeito e reverência e as pessoas só tomam alguma liberdade com ele quando a iniciativa não é delas, mas da autoridade. Como responsável pelo Cartório Eleitoral da comarca convivi com vários deles a partir da década de 1960, começando pelo segundo juiz, o dr. Clineu de Mello Almada, uma pessoa afável, simpática, que colocava todos à vontade nos seus contatos não só como magistrado, mas também como cidadão comum. Depois dele assumiram os drs. Carlos Eduardo de Carvalho, José Telles Correa, Rubens Gonçalves, Paulo Bonito Jr., Sérgio Jacinto Rezende e ... Nilo Entholzer Ferreira, o personagem desta nossa crônica. Todos eles mantinham um comportamento formal, cordial e respeitoso com todos com quem mantinham contato, mas o dr. Nilo inovou. Para os mais íntimos era o “Nilão”, aquele amigão que como juiz tinha uma conduta reta e irrepreensível, mas que nas horas de folga se soltava e mostrava a filosofia do “deixa a vida me levar”, cantada pelo Zeca Pagodinho. Ele assumiu em dezembro de 1976 e permaneceu alguns anos no cargo.
O dr. Nilo logo se enturmou com muitos saltenses e mantinha até uma convivência muito íntima com vários que, como ele, frequentavam o Clube de Campo Saltense, onde aprontou algumas que ficaram restritas aos limites dessa entidade local. Trabalhei com ele e – confesso – participei de algumas de suas brincadeiras, além de merecer sua confiança, como quando começou a colaborar com o Taperá escrevendo quadrinhas, não essas quadrinhas inocentes como o Gasparini faz, mas que envolviam políticos locais, numa época que os ânimos eram muito acirrados na cidade. Mexia com Jesuíno, vereador Cidão, Lammoglia, Mário Dotta, enfim com muitos que mantinham polêmicas que entraram para a história política de Salto. Na quarta ou quinta-feira eu ia até seu gabinete e cobrava a quadrinha da semana e ele a escrevia na hora, num pedaço de papel qualquer, renovando o pedido que fazia sempre: “Pelo amor de Deus, não mostre esse papel pra ninguém, queime-o assim que transcrever para o jornal”. Já imaginaram se eu divulgasse que o autor das quadrinhas era, nada mais nada menos, que o juiz da comarca? Poderia até perder o cargo.
Na véspera de uma eleição para prefeito ele me chamou e disse que pretendia “aprontar” para alguns amigos mais íntimos (Lolo, Luizão, Genaro, Benito, Jair, Otavinho e outros, além da sua secretária), no dia do pleito, estabelecendo algumas “tarefas” que eles deveriam executar, que ajudei a relacionar. Um iria até a Rodoviária avisar os passageiros que poderiam votar “em trânsito”, ou seja, dentro dos ônibus, quando se dirigissem a Campinas, Itu ou São Paulo; outro iria avisar o monsenhor Mário Negro para tocar o sino da matriz no início e no final da votação durante 10 minutos; um terceiro iria até a estação ferroviária pedir para os maquinistas não acionassem o apito pra não perturbar quem estava votando; mais um iria até o Hospital Municipal pedir para os internados ficarem com os títulos eleitorais nas mãos aguardando a passagem de uma certa “urna eletrônica itinerante” e assim por diante.
Aos poucos ele ou eu fomos desmentindo durante o dia, informando que se tratava de uma brincadeira, mas esquecemos do amigo do juiz que fora ao Hospital Municipal. Faltando uns 10 minutos para o final da votação, o encarregado de avisar os pacientes chegou esbaforido ao Fórum: “Os doentes estão esperando e até agora a urna itinerante não passou!”. Procurei justificar, informando que o Tribunal Regional Eleitoral não havia mandado a urna e ele voltou ao Hospital para justificar a suspensão da “votação”.
Numa outra eleição, o dr. Nilo interrompeu os trabalhos no Fórum e fomos todos para um almoço numa churrascaria da cidade. A churrascaria se localizava na Rua José Weissohn, em frente à Praça da Bíblia, onde hoje funciona uma loja de artigos importados. Fomos até o salão dos fundos e o dr. Nilo liberou geral: “Apesar da lei seca, podem pedir caipirinha, cerveja, o que desejarem”. Quando o garçom trouxe as bebidas, um cliente que estava com a esposa numa mesa próxima, chamou o garçom e pediu duas caipirinhas. O garçom respondeu que não sabia se poderia servir, mas iria consultar o juiz, perguntando se ele iria permitir. A resposta do dr. Nilo veio pronta e incisiva e em voz alta para o cliente ouvir:
- Claro que não pode servir caipirinha! Será que esse sujeito não sabe que existe uma lei seca que proíbe servir bebida alcoólica em dia de eleição?
Comments