CRONICANDO
O cavalinho de Natal
Todo ano era a mesma coisa: ele pedia como presente de Natal uma bola para jogar com os amigos na rua de terra, em frente de sua casa. Sonhava com uma Drible, que na época era a marca mais famosa, mas Papel Noel sempre lhe deixava uma de borracha, que durava apenas alguns meses.
Quando iria completar 10 anos de idade achou que tinha direito de pedir um brinquedo melhor: um cavalinho de madeira e tecido, com cerca de 1 metro de altura sobre uma prancha de madeira e que poderia ser transportado de um lado para outro, pois era equipado com rodinhas na base. A vontade dele tinha sido despertada no Natal do ano anterior, quando foi passar o final de ano na casa de um primo rico em São Paulo. O pai dele, seu tio, tinha dado ao garoto um belo cavalinho, com arreios dourados e uma sela vermelha que o impressionou vivamente. “Um dia vou ter um desses”, pensou e achou que a oportunidade seria o Natal do ano seguinte, véspera dos 10 anos que completaria em janeiro.
Como fazia toda véspera de Natal, seu pai cortou um feixe de capim do quintal de sua casa e colocou numa caixa de sapato, justificando: “É para Papai Noel alimentar suas renas”. Mas naquele ano o capim poderia ser utilizado para alimentar o cavalinho, pensou. Escreveu seu pedido numa folha de papel, colocou na caixa e foi dormir mais cedo, depois de pôr a caixa de sapato embaixo de sua cama.
Acordou nas primeiras horas da manhã com o barulho em frente de sua casa. Devia ser Papai Noel fazendo a entrega de presentes, imaginou. Olhou pela janela e viu a imagem de um cavalo. Seu coração palpitou: seria o seu? Abriu a porta e viu que se tratava do cavalo do leiteiro, que despejava o leite nas vasilhas deixadas pelas famílias nas janelas de suas casas.
Voltou rápido para sua cama, olhou debaixo dela e viu que na caixa de sapato tinha sido depositada uma bola de borracha. Ou seja: o presente seria o mesmo dos anos anteriores, nada de cavalinho e isso o decepcionou.
Depois do café saiu à rua com a bola de borracha embaixo do braço e logo foi cercado por vários garotos, dispostos a participar de um bate-bola. Nenhum deles aparentava ter recebido presente, mas não pareciam tristes por disso. O menino soltou a bola e todos correram atrás dela, chutando de um lado para outro, festejando o Natal com uma simplicidade e uma disposição que surpreendeu o menino que desejara um cavalinho de presente e não fora atendido. Sentiu-se realizado.
Pela pouca idade, não tinha condições para avaliar a situação na época, mas com o passar dos anos teve plena consciência que o episódio serviu para demonstrar-lhe que nem todos os nossos desejos podem ser atendidos. Ele usa isso em sua vida diária: gostaria de ganhar na loteria, de comprar aquele carrão que lhe dá água na boca, de fazer uma viagem para a Europa, de conhecer os pontos turísticos do Brasil, enfim desejaria muita coisa, mas sabe que nem tudo é possível. Nessas horas serve-lhe de exemplo o cavalinho de Natal que desejou, não obteve e se conforma.
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