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CRONICANDO

O Tietê também mata



Hoje o espetáculo se repete várias vezes ao ano, inclusive em épocas não chuvosas, mas antigamente as grandes cheias do Rio Tietê aconteciam principalmente nos meses de janeiro e fevereiro. Até a década de 1960, quando o rio ainda não era tão poluído e fétido, muitos iam nadar em suas águas, correndo grande perigo e acontecendo lamentáveis perdas de vidas. Não por sua culpa, evidentemente, mas o Tietê também matava e ainda mata, se alguém quiser correr o risco de se atirar nele. Se não morrer afogado, vai sofrer os efeitos danosos de suas águas altamente poluídas.

Era comum em todo início de ano circular a notícia de que alguém morreu no Tietê, geralmente jovens que desafiavam o perigo. Meninos, eu vi uma dessas mortes, ocorrida no final da década de 1950. Era uma tarde de sol e muita gente se dirigiu às margens do Tietê para assistir ao belo espetáculo proporcionado pelo rio cheio, que mostrava uma cachoeira tomada pelas águas, o que não era muito comum, pois na maior parte do ano as pedras ficavam à mostra.

Eu estudava no então Colégio Paula Santos e, em companhia de alguns colegas, nessa tarde fomos ver o rio cheio, atravessando a Ponte Pênsil e acompanhando a ação de alguns jovens, outros nem tanto, todos eles em traje de banho. Lembro-me que lá estavam Zezo, filho do Paulo Bruson, Bêne Silveira, Lelo Alarcon, Léle Carola e outros, que da margem direita nadavam até a margem esquerda, na ilha onde hoje está instalado um parque turístico. Era uma travessia perigosíssima, pois tinha que ser feita com uma tarrafa amarrada ao corpo e a correnteza era forte. Eles iam até um ponto da ilha de onde saía, de um buraco ou grande cano, uma grande quantidade de água. Com a tarrafa, que era colocada na saída desse buraco ou cano, eles pegavam uma grande quantidade de peixes, que traziam para a margem direita.

Eles se revezavam na travessia do rio e quando chegou a vez de um dos rapazes que ainda não tinha atravessado, os demais aconselharam-no a não nadar até a ilha, pois sua compleição física não lhe permitia essa ação. Ele, talvez ferido em seu orgulho, divergiu dos companheiros e pediu-lhes que amarrassem a tarrafa em torno do seu corpo franzino, o que foi feito. A seguir atirou-se às águas, mas logo percebeu que não teria forças para suportar o peso da tarrafa e pediu socorro. Pedi aos seus outros companheiros que se atirassem na água para salvá-lo, mas nenhum deles se propôs a fazê-lo, mesmo porque isso seria muito perigoso e poderiam se afogar também.

Com medo de se envolver com a Polícia, que logo foi comunicada, todos os que se encontravam às margens do Tietê no trecho hoje conhecido como “Caminho das Esculturas”, deixaram o local. Nos dias seguintes bombeiros e as pessoas da cidade que eram acostumadas a retirar corpos das águas, procuraram o corpo do saltense que se afogou, mas demorou alguns anos para sua ossada ser encontrada, trazendo finalmente consolo à sua família, que não se conformava com a perda.

Isso levava alguns a maldizer o Tietê, em virtude das mortes, mas naquela época o rio matava apenas quando era desafiado ou quando não levavam em conta a força de suas águas. Depois de muitos anos alimentando a população e de ser motivo de orgulho para os saltenses, se transformou num rio poluído e fétido que muitos abominam. Nesse caso também culpa não lhe cabe, pois se deve à ação maléfica do homem que hoje não conserva os cursos d’água da forma como Deus os criou.

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