QUEM FOI QUEM
Valdomiro Correia da Cruz, o tipo popular que deu muitas risadas após sua 1ª “morte”
Houve pelo menos dois casos na cidade de tipos populares que “morreram” duas vezes, a primeira não confirmada e a segunda verdadeira. Um desses casos teve como “vítima” Valdomiro Correia da Cruz, conhecido como “Urubatão”, um tipo popular que era muito conhecido pelas risadas escandalosas e por seu bom humor sempre demonstrado. Conversava com todas as pessoas em suas andanças pela cidade e quando considerava que alguma coisa engraçada tinha sido dita, não deixava de gargalhar, fazendo também rir aqueles com quem conversava. Sua primeira “morte” aconteceu no final de junho de 1983, quando o jornal Taperá publicou duas matérias sobre o “infausto acontecimento”.
1ª “morte” - Uma delas foi uma carta do leitor Valter Disney Prata, sob o título “Homenagem Póstuma” e a outra foi um comentário na coluna do Boca-de-Siri, com o título “A risada que emudeceu”. O leitor lembrava que por volta de 1956 chegava à cidade um moço humilde, cheio de esperança, “com aquele sorriso que mais tarde iria se tornar tradição em nossa cidade, até então bem menos desenvolvida que hoje”. Prossegue afirmando que ele chegou, começou a adquirir amizades, tanto na classe baixa como na abonada. Trabalhou inicialmente na serraria do Walter Carra, ajudando a descarregar principalmente caminhões de madeira no pátio da antiga Estação Sorocabana. Com a ajuda de amigos influentes, foi contratado para trabalhar na Prefeitura e sua grande virtude era não perder dias de serviço, apesar de vez em quando exagerar na bebida na noite anterior. Saindo da Prefeitura, prestou serviços na indústria Picchi, até que se aposentou.
O leitor que noticiou a morte de Urubatão terminava sua carta lamentando o ocorrido: “Adeus, Urubatão, não esqueceremos jamais sua passagem por nossa cidade, porque um personagem como você nunca será esquecido”.
Em sua coluna o Boca-de-Siri também lamentava o “falecimento” e dizia que Urubatão não levava a vida a sério, dormia em cubículos e era ajudado por amigos. Acrescentava que ele vestia um terno escuro, com uma gravata que já fora vermelha e saía por aí, percorrendo os bares, onde contava piadas, bebia e ria. No carnaval costumava vestir-se de mulher e circulava pelas ruas, divertindo as pessoas e a si próprio.
Não morreu – No início do mês seguinte (julho), em sua edição do dia 2, o Taperá publicava o desmentido “Urubatão está vivo”, no qual comentava que a notícia do seu “falecimento” provocara muitas manifestações e inclusive na Câmara foi apresentado um voto de pesar que foi retirado da pauta quando se soube que a morte não ocorrera. “Na última quarta-feira – dizia a nota – para surpresa geral ele apareceu na cidade, ainda se recuperando de uma enfermidade, que provocou seu internamento num hospital de Jundiaí. Aliás, foi nesse hospital que transpirou a notícia do seu falecimento porque na mesma época faleceu um pessoa com um nome parecido com o seu”.
Diversos outros artigos foram publicados no Taperá sobre a “morte” que não houve, dentre eles dois artigos do Boca-de-Siri: “Blefe necrológico” e “Morrendo duas vezes”. O dr. Mário Dotta também se manifestou na época utilizando o pseudônimo João de Frankfort, que classificou Urubatão como “um desses gozadores ruidosos, sem tristezas e sem máguas”. Também descreveu a figura de Urubatão: “Terno azul desbotado, carapinha esbranquiçada, havaianas nos pés, boca sem os incisivos, sempre aberta e pronta para uma risada que reboa à distância incrível. Não toma conhecimento da existência dos assustadores fenômenos monetários, como a desvalorização do cruzeiro, da desindexação e do leão do imposto de renda. Muito menos quer saber se o brasileiro vai ou não um dia pagar a dívida externa ou se o feijão está para a hora da morte”. O artigo termina com o dr. Mário Dotta assinalando que “Depois, a tristeza geral virou alegria e Urubatão, que ria da carestia, da inflação e da penúria, passou a rir da própria morte também”.
Morreu mesmo – Urubatão foi levando sua vida nos anos seguintes, sendo até entrevistado num programa da TV Cultura, gravado na praça da Concha Acústica, quando ele foi entrevistado pelo apresentador Júlio Lerner, que foi “brindado” com algumas das suas gargalhadas. Conseguiu passar do século XX para o atual, até que desta vez realmente morreu, no dia 10 de novembro de 2002, quase 10 anos depois do seu primeiro “falecimento”.
Foi assunto de uma crônica que escrevi em 16 de novembro de 2002, onde assinalei que “Agora é pra valer. Urubatão morreu de verdade domingo, depois de viver doente nos últimos dias, quando até sua risada característica emudeceu (...). Era o símbolo do humor e da alegria, numa época de tão pouco riso e tão pouco siso”.
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